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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Que o sol esqueça a sua obrigação vã




(29 de janeiro 2008)

Está tudo triste, tudo tão triste.

Venham vocês me ensinar a ser feliz com esta chuva diária,
Com este frio cortando o corpo e este sono que me deixa tonto.
Pareço bêbedo mesmo quando não estou bêbedo
E pareço um dinossauro solitário,
Uma múmia lírico-risonha.
Não tenho mais para onde ir com estas ruas desertas.
Os amigos são uma raridade entorpecente
E o sexo tem sido um manifesto à monotonia.
Estou definitivamente cansado de fazer sexo,
Quando o que me interessa é o amor distante de Franz Edie.

Meu Deus, será preciso ir aos céus para ser amado outra vez?
Sim, meu pobre Deus, será preciso gritar em Auschwitz,
Descer à Paris e rezar em Sodoma? O que é preciso, então?

Vocês não sabem o que é felicidade.
Aliás, o que vocês sabem sobre qualquer coisa?
Tudo o que sei sobre sexo é o que não sei sobre sexo.
E se soubesse qualquer coisa válida de que adiantaria
Se quando vejo aqueles lábios é como se visse
Um pássaro que jamais será meu.

Mas tenho um mérito invejável: sou um convencido lamentador,
Um otário engraçado que escreve versos.
O que vocês sabem sobre versos,
Quando o que vejo em vocês é uma vidinha idiota?
Adoro este amontoado de ferro e concreto e tecido
Que vocês juntam durante os anos.

E eu não tenho nada disso. E os invejo
Porque não tenho nada disso.
Este perfume esta maquiagem esta vida inteira
Desejando ser extraordinário. Eu sou otário!
O otário que baixinho recita poemas
Quando desce a Av. Nazaré rumo ao museu
E descansa no bar à espera de um trago.
Por isso adoro o Ipiranga. Porque aqui até os andrajos
Cheiram a incenso. Esta cidade é mesmo um merda incontestável.
Grande conquista ser grande.

Ah, nós os ressentidos! Como queríamos este champanhe
Este banquete esta delicada fineza.
Mas somos rebeldes e revolucionários e bêbedos.
Queremos mudar o mundo, mas o mundo não quer ser mudado.
Se pelo menos um de vocês soubesse que as estrelas têm um mistério acalentador...
Mas vocês não sabem que o museu é uma edificação tão antiga quanto o bar.
Que os nossos heróis são amorais e bêbedos.
Que os heróis pensam em sexo quando deitam ou quando acordam.
Eu penso em sexo o tempo inteiro.
E penso mais ainda que se você estivesse aqui
Eu poderia pensar também em amor, em afeto.

Numa outra hora a chuva vai cessar
E ao sair de casa tudo será como sempre foi.
O meu estômago vai dizer-me suas histórias.
E eu, que queria ser apenas como o vento, vou
Dormir com o meu corpo cansado
Esperando que o sol esqueça a sua obrigação vã.


(Ernesto López)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Saravejo


..........) O menino morto em Saravejo veio falar comigo com uma candura triste. O menino morto em Saravejo deitou-se no sofá da sala. Eu fiz chá para ele e depois trouxe remédios para curar uma ferida grande que ele tem no peito. Mas era tarde e o menino e eu começamos a cantar uma cantiga velha...


Tenho dormido com este pobre menino.

Espectros de Deus



Deus, está escuro e somente umas vozes de homens bebêdos, vindas da rua, invadem a sala. Estou deitado no sofá. Não há mais o que esperar. Os bêbedos riem. Mas se eu pudesse... Chorar a esta hora é completa desolação. Chorar por que razão? Não, não posso ser tão abstrado. O que é ser abstrato? Deus, acorde-me às cinco da manhã. Não suporto mais este sono infernal.

Escrito



Ao poeta Rudinei Borges


Uma escritura foi encontrada no meio da estrada.

O que estava escrito em tão precioso papel amarelo?

"Um poeta rubro não desce nunca naquela escada

Em que um homem quer subir sobre pau e farelo.


O poeta fita ao longe a efervescência dos seres

Ocupados, aqueles que não se rebaixam aos poderes

De toda a irracionalidade da gigante minhoca solar!

Poucos a vêem, muitos começam a chacotar..."


Mas que escrito é este, meu Deus de todos os céus!?

Será uma revelação divina de todas as virtudes

Colocadas neste pequeno papel de borrões antigos?


Entedi bem, meus caros e grandiosos amigos!

Este papel foi escrito por um mendigo, sem atitudes,

Ele o jogou fora como a alma de um perfeito deus!


Felipe Garcia

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Breviário da decomposição


"Seja qual for a resposta, posso dizer que nunca pedi para estar aqui e estando aqui, só penso em como sair, sem fazer ruído, sem que notem minha ausência, como se nunca tivesse estado e desta maneira, sentir a ilusão de não haver existido nunca.

De onde venho, não saberia dizer: nos templos, permaneço sem crenças; nas cidades sem ardor; junto aos meus semelhantes , sem curiosidade; sobre a terra, sem certezas. Dái-me um desejo preciso e derrubarei o mundo.

Livrai-me desta vergonha dos atos que me faz interpretar a cada manhã a comédia da ressurreição e a cada tarde a do enterro. Sonho em querer e tudo o que quero me parece sem valor. Como um vândalo roído pela melancolia, vago sem fim, eu sem eu, para não sei que lugar, para descobrir um deus abandonado, um deus que fosse ele mesmo ateu, e dormir à sombra de suas últimas dúvidas e de seus últimos milagres".

Breviário da Decomposição de Emil Cioran, filósofo romeno.
(Esta citação de Cioran foi inspirada numa breve conversa com Antonio que é leitor do filósofo romeno).


terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A obscena Senhora D


Suzan Damasceno

Carta para Dom





São Paulo, 6 de fevereiro 2008




Caro Dom,



Sabe, vivi quase sempre em Itaituba, no interior do Pará, floresta Amazônica à dentro. Hoje, penso que aproveitei tão pouco daquilo tudo, daquela gente toda. Eu era menos eu naquela época. Apesar de compreender que o meu espírito clama por estes edifícios, por este concreto de São Paulo, sinto falta daquele horizonte incerto que a Amazônia me trazia.


Mas o pior de tudo (e não imagine que é mais um devaneio poético) é que me sinto deslocado em qualquer lugar. Talvez por isso clame por uma gota pequena de paixão ou amor. É como se somente amando alguém e sendo amado eu pudesse me livar deste deslocamento.Não, eu não gosto de ser triste. E os meus poucos amigos dizem que sou um palhaço nato, porque falo futilidades o tempo inteiro e faço graças ao andar na rua. Quando vou ao Pará, os meus primos menores adoram a minha presença, porque os levo para passear e os faço rir como ninguém faz. Penso até em ter filhos algum dia. Ano passado fui professor de Ética para crianças de sete à dez anos e era amado por ser engraçado, de bem com a vida e por ministrar aulas animadas.

Porém, meu amigo, essa tristeza (um tanto amarga) é quase inevitável. Um dia escrevi um poema perguntando-me que “mal” é este? Só pode ser um mal, uma tuberculose que não quer sarar de nenhum modo. Até nos momentos mais felizes ela retorna com sua força. E tudo, quando silencio, é estranho e sem sentido. Não é depressão. É uma ausência devastadora, uma saudade que não cala. Não sei exatamente do que, e nem de quem sinto falta.

Chega, então, o instante em que o instinto de sobrevivência é maior, que o animal deseja “viver”. E, destarte, tomo a coragem que move as minhas forças nestes anos, e recito o mantra antigo: “Não quero ser triste”. E este amor que não vêm? Este amor que procuro? “Ela chegará”, alguns dirão entusiasmados. Mas o meu entusiasmo é pequeno, Dom. É miserável. Por isso, quando olho para Verlaine não é com admiração que olho, é com pena. Não é possível sofrer tanto. Talvez você tenha razão: é um sofrimento inventado.

Por que digo isto? O que você que está tão longe, na sua Bahia mítica, tem com este sentimento idiota? Você que é tão orgulhoso e tão indiferente. Por que você se interessaria por um acusador ridículo como eu, que o define como orgulhoso e indiferente, mesmo sabendo que você nem dá importância para isso? Decerto, para chamar atenção, você responderia. Talvez porque o ame. E por que o amaria se nem o conheço? Por nada. Apenas para dizer que estou próximo do nada e que esta escuridão é uma carência latente. O que importa os carentes se eu mesmo odeio o discurso da carência? Não sei.

Talvez, meu caro, eu o ame agora. Talvez eu passe a odiá-lo e um dia volte a amá-lo. Ou os fatores se inverterão. Talvez o que eu chame de amor seja mera inveja. Não, por que eu o invejaria?

Não quero conhecê-lo. Para que? Para rezar ao arrebol sabendo que jamais seria correspondido? Não, isto sim é desejar sofrer. Neste caso, é melhor refutar qualquer sentimento, qualquer candura. As ilusões tolas não levam a nada. Mas é preciso dizer. É preciso que se saiba a verdade, mesmo que ela seja uma mentira. Talvez você seja o meu mais novo personagem. E nem tenho coragem de criar um enredo para tal sina. É demasiadamente trabalhoso amar alguém.

Meu caro, creia em mim: eu quis ser menos ridículo do que fui. Para que amá-lo se você não é livre?

Utopia e luta, meu irmão!



Rudinei Borges

Carta para Felipe Garcia


São Paulo, 6 de fevereiro 2008


Meu grande amigo e irmão Felipe,

Eu admiro com profundidade a sua coragem e a sua ousadia. A cada poema seu sinto-me mais próximo de você, mesmo nesta distância inefasta que nos cerca.

Queria lê cada verso deste poema "Antes dos dezenove", porque cada vírgula é tão minha. É quase como se me pertencesse este espírito com que escreves.

Este último poema tem o êxtase do meu Ernesto López. É tão enfático e, ao mesmo tempo, tão amargo. De onde vem essa amargura sendo você um poeta tão cheio de alegria?

E gosto do teu verso sem rima. Não que seja a minha preferência, que seja o meu gosto - você sabe que é. Porém, a questão é outra: neste poema "Antes dos dezenove" você encontra quase que uma libertação. Sinto-o mais livre, com um domínio leve das palavras. Elas surgiram e você as acariciou. Elas não estão no poema à força, elas quiseram estar e, por isso, o permitiram escolhê-las sem que você ao menos soubesse da escolha.

Não digo que seu poema é fruto do acaso. Não, pois nenhum poema é fruto do acaso. Ele é, todavia, uma construção livre, a mais livre que vi em você.

Felicidades! Que nossa amizade cresça como seus versos.

Um grande e terno abraço!

Rudinei Borges