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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Estou na Amazônia

Estou na Amazônia, mas precisamente em Itaituba, no interior do interior do Pará. Longe de Belém, de Manaus e de Cuiabá. Muito longe de São Paulo, onde moro. A vinda para cá deixou descansar Ernesto López e, agora, o meu poeta-menino Alfredo Dias arde dentro de mim com o seu amor pelo barro, pelos becos e pelo cais. Penso que apracerão novos poemas cheios de saudades.

Abraço a todos.

Rudinei Borges

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Breviário - Para Jeovane camargo

São Paulo, 13 de novembro 2008
Meu caro Jeovane,
Há uma música do Renato Russo, em que ele afirma que alguns falam muito por não ter nada a dizer. Talvez eu tenha poética e literariamente algo a dizer. E vou dizer. Não tardará uma publicação de O livro da Embriaguez, o que não significa nada, mas é uma documentção, uma chave que pode abrir portas.
Uma amiga minha de infância, católica até a alma, escreveu horrores sobre um poema meu em que eu repito inúmeras vezes "que venha a cruz". Disse que não sou o mesmo.Em verdade, O Livro da Embriaguez é um texto niilista. Está lá Nietzsche e todos que pensaram a idéia de absurdo, como Kafka, Sartre, Camus e Beckett. Está lá Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Bukowski, Whitman e Lorca.
Fico com certo receio de que seja o meu primeiro livro de poesia, porque talvez se feche as portas das universidades religiosas, por exemplo, ou me olhem como um ateuzinho de merda. Mas nem sou ateu. Sou panteísta. O certo é o meu livro não é em nada católico.
Não tenho obrigação de ficar para a história, mas a convicção de que é possível amadurecer a cada novo texto.
Grande abraço,
Rudinei Borges

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O diário de Judas

Às três da tarde sai de casa, segurando dentro do corpo uma fome canina. Eu precisava comer qualquer coisa antes que o mau humor deixasse o plano das idéias e se erguesse concretamente para além de mim, como se fosse uma entidade real: um homem ou uma mulher com as mãos trêmulas e a boca espumando. O certo é que o mau humor toma conta de mim quando sinto fome. Porque a fome é como o tédio. Eu estava na rua e levava os meus músculos e os meus ossos, revestidos duma pele morena, para a padaria que fica na esquina da Avenida Brigadeiro Jordão com a Agostinho Gomes (nomes de homens que não sei quem foram, nem o que fizeram, mas eles permeiam e atormentam minha memória e dão fome. Uma tarde, como a de hoje, deitei-me no sofá da sala e num cochilo vi-me diante desse Sr. Brigadeiro Jordão. Porém, ele não era um homem. Era a cópia fiel do espectro da morte (como num filme de Bergman) e queria jogar xadrez comigo. Não. Eu não sei jogar xadrez. Sou um animal inapto aos jogos. Sai correndo como quem corre de um cão raivoso. E acordei suado. Foi o meu único sonho com este senhor.) Mas antes que eu chegasse à padaria aconteceu-me algo inesperado e terno e idiota: o vento brincava sobre as calçadas e sobre as calçadas trouxe para os meu pés um folheto amarelado e velho,desses que as igrejas distribuem de porta em porta. Havia uma pergunta grande, centralizada e em negrito: gostaria de conhecer a verdade? Nesse momento as palavras soltaram em qualquer parte de minha mente onde elas moram (que não é na esquina da Avenida Brigadeiro Jordão com a Agostinho Gomes): Sim. Não. Não. Sim. Eu quero conhecer a verdade. Eu não quero conhecer a verdade. Assim, num desapego súbito pus os meus pés sobre as folhas e continuei andando. Um folheto não poderia me dizer o que, de fato, é a verdade. E se dissesse de que adiantaria se tenho contas para pagar. Mas próximo à padaria retornei. Algo naquele tom amarelado do folheto resgatava um quê de saudades. Pus, então, entre as mãos aquele folheto e o li em parte, enquanto esperava algo para comer. (Uma tarde, como a de hoje, entrei numa biblioteca convicto de que encontraria o livro mais antigo que houvesse ali. Depois de horas numa caçada épica, encontrei um caderno grande, onde estavam escritas as atas de uma antiga associação de moradores da cidade. A primeira ata datava de mais de cem anos. A maioria das laudas de tom amarelado, como aquele folheto, estava em branco. Assim, como quem quisesse guardar algo antigo, arranquei duas laudas e coloquei no bolso. Era quase um orgulho possuir uma velharia mínima como aquela. Fiquei com elas por anos. E, agora, não recordo onde as deixei. Este folheto também se perderá entre as minhas coisas. Se perderá, decerto, sem nenhum significado, porque talvez eu nunca volte a ler o que há escrito abaixo da indagação sobre conhecer a verdade. E talvez eu nunca conheça o que é a verdade.

Um rapaz de estatura média, branco e magro, vestido de camisa e calça brancas e um avental cor de vinho tinto (como se estivesse intimidado diante dos meus músculos e dos meus ossos, revestidos duma pele morena) trouxe-me um prato com comida e um copo com gelo e refrigerante. Depois os talheres e uma ficha (de número 130) onde estavam anotados os meus gastos. 130 anos talvez seja a idade da lauda que furtei do caderno grande na biblioteca. 130 talvez seja o meu número da sorte ou o número da casa de alguém que vou conhecer e amar por toda a vida. Ou talvez seja somente o número da ficha. Peguei os talheres e comecei a comer célere como um automóvel. Quando vi que me olhavam decidi comer devagar. Mas tudo naquela padaria parecia-me um incômodo infindo e se misturava em minha mente como as palavras. Dois homens sentados no balcão comiam hambúrguer com a boca aberta. Um hambúrguer gigante numa fotografia na parede me fazia fechar os olhos. Um papel amassado perdia-se sob uma das mesas em meio às embalagens de chicletes. A cada segundo uma nova pessoa chegava e uma nova pessoa saia. O rapaz de estatura média, branco e magro, vestido de camisa e calça brancas e um avental cor de vinho tinto (como se estivesse intimidado diante dos meus músculos e dos meus ossos, revestidos duma pele morena) continuava levando pratos com comida e copos com gelo e refrigerante (às vezes suco) para as mesas. E depois os talheres e uma ficha (que eram de números diferentes de 130). Um cheiro forte de pão vinha de dentro da cozinha. Os garçons suavam e suavam também as canetas que eles carregavam nas mãos para anotar os gastos dos clientes nas fichas. Um garçom de longe acenou para mim. Eu gentilmente sorri. Não sabia que me conheciam. Mostrei a ficha. Já estou com a ficha, eu disse. O número é centro e trinta, murmurei. Três rapazes e um homem velho comiam na mesa à minha frente. Um deles balança a perna um tanto desconfortável. Do outro lado de minha mesa uma senhora idosa vestida de azul arrastava-se com uma muleta para ir embora. Um homem estranho sentou-se à minha frente. Ele estava vestido todo de preto. Os braços estavam cruzados. Ele olhava para a rua como se contasse as pessoas que passavam na Avenida Brigadeiro Jordão. Ele usava um óculo preto. Um garçom trouxe um pão para ele. Ele comia célere como um automóvel, mas como viu que eu olhava decidiu comer devagar. O céu e o vento anunciavam que logo iria chover, enquanto um dos garçons segurava uma cesta com mostarda e ketchup. Ele colocou a cesta dentro de um armário que ficava próximo às mesas dos clientes. O homem vestido todo de preto levantou e foi embora. Por um instante só havia eu naquela parte da padaria. E eu olhava para o nada, para os potes de açúcar enfileirados num balcão. Outro garçom me cumprimenta. Deixo o semblante entregar-se num sorriso largo. Já estou com a ficha, eu disse. O número é centro e trinta (dessa vez não murmurei). Um pombo sujo caminha sobre a calçada onde encontrei o folheto. Duas mulheres andam apressadas na rua. Elas entram na padaria. Elas seguem uma fila para comprar algum pão ou doce. Dois velhos estão sentados próximo ao telefone público do outro lado da esquina. E riem e conversam e olham para mim. Eu não rio e não digo nada. Não tinha mais fome e o mau humor não poderia me dominar. Estava farto. Bocejei.
Rudinei Borges

Agostina Musson


Estelle Musson - Degas


Agostina Segatori - Van Gogh

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Agostina Musson: junção dos nomes Agostina Segatori (italiana que vivia em Paris. Van Gogh a conheceu em janeiro de 1887, ano em que pintou A taliana) e Estelle Musson (prima e, posteriormente, cunhada de Degas. Ela foi retratada por Degas em Mulher com vaso).

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Carta de Agostina Musson

21 de outubro 2008
Li o seu poema, Embriaguez. Fiquei indignada pelo tom obscuro de seu texto e pelas icógnitas existentes. Peço que reformule e o proibo de incluir nele o nome de minha querida e santa madrinha, Amélia Lages. Ela ficaria muito triste ao ver como você se encontra, tentando se esconder de sua própria verdade, para não dizer realidade. Seja digno de tudo, principalmente das pessoas que um dia o admiraram.
Agostina Musson

sexta-feira, 24 de outubro de 2008





Ele estava sempre conosco e era tão alegre, tão cheio de vida. Não conhecíamos ninguém igual a ele. Ninguém mesmo. Mas depois de um tempo ele foi para longe. Não sei exatamente onde, mas sei que era distante. E não sei o que foi feito dele, não soubemos mais nada a seu respeito. Nada mesmo. Uns dizem que ele nos abandonou, que cansou de tudo isto aqui. Mas quase todos na aldeia acreditam que ele morreu, porque sabem que se ele estivesse vivo não suportaria ficar distante de todos aqui. Não, ele não agüentaria, porque nos amava de uma maneira estranha, diferente. Ele nos amava de um modo que sabíamos que verdadeiramente nos amava. E não podíamos duvidar disso. Ninguém ousava duvidar disso. Por isso, cremos que ele morreu. E por ele ter morrido sofremos e choramos, porque estávamos longe quando ele mais precisou e sequer podemos nos despedir. Por que o senhor vem, agora, relembrar esta história? Decerto, o senhor não sabe o quanto a saudade que sentimos nos faz sofrer. O senhor nem pode imaginar. Por que o senhor nos envolve com suas dúvidas? Eu já o havia esquecido. Porque esquecê-lo foi o melhor remédio que encontrei para não mais sofrer com a notícia de sua morte, posto que se até ele morreu... o que acontecerá conosco? Agora, o senhor com seu atrevimento nos faz recordar o quanto sofremos com o que aconteceu. A lembrança dele é dor e ninguém deseja dor. E sentimos dor quando o recordamos, porque não o amamos com a mesma intensidade que ele nos amou. E todos sabem e todos se ressentem. E ele se tornou para nós um ressentimento. E por sua causa sentimos outra vez o mesmo ressentimento. O senhor não tem esse direito. O senhor fala dele como se soubesse que ele está vivo, como se tivesse tanta certeza. Mas o senhor não tem nenhuma. O senhor apenas brinca com a nossa dor. Sei muito bem que o que sofremos com essa história é motivo para seu divertimento. O senhor deveria pensar duas vezes antes de nos perguntar sobre Deus, antes de afirmar qualquer coisa sobre ele. Nós o conhecíamos muito. Não queira nos dizer o que sabe de Deus. Nós sabemos melhor que ninguém que ele não nos abandonaria, não nos deixaria a esmo. Deus jamais faria isso. Sinto-me incomodada até em pensar essa possibilidade. Como o senhor tem coragem? Espero que isto não chegue aos ouvidos de nossos avós. Eles ficariam ofendidos. Extremamente ofendidos até. E ofendê-los é como se o senhor e seu ajudante ofendesse toda nossa aldeia. Não ouse.

Aperto, esboço de um romance





O romance em primeira pessoa conta as alucinações e devaneios de um homem que mora sozinho em um apartamento. Ele cola catálogos na parede e observa as pessoas pela janela; inventa histórias para essas pessoas, conversa com seus personagens e com personagens de outros romances, como os de Kafka; conversará com Gecor Samsa de “A metamorfose”, com o jejuador do conto “Artista de fome”. Também terá conversas com Eutanázio, personagem de Dalcídio Jurandir no romance "Chove nos campos de Cachoeira". Os três são homens doentes e ele cuidará deles. Tratará de suas doenças. Todos os personagens com quem conversa estão próximos da morte. É um romance, de certo modo, sobre a morte e o fardo de existir.

Este homem não tem nome. Ninguém sabe quem ele é, sua biografia. O romance é uma narrativa sempre movimentada. No fim ele estará cansado do aperto do apartamento, do aperto existencial e verá as paredes o engolirem. Os livros, os catálogos que ele coleciona o engolirão.

O homem moderno vive em um aperto, a vida é um aperto.

(São Paulo, 20 de fevereiro 2007. Sentado de frente de uma janela aberta para a rua Cipriano Barata, Ipiranga. Estava sozinho e olhava os pedreiros reformando uma casa).



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O disco movimentando-se. O disco e a voz do poeta movimentando-se no gramofone. Meu Deus, o gramofone é velho e sou tão jovem aqui sozinho. Por Deus, tão velho, como o gramofone de um médico, sento-me sozinho no sofá da sala. E a voz do poeta sonora e triste quase some. Não, não sou eu que estou surdo. É a voz do poeta que é fraca. O poeta é fraco, é um homem franzino, desses que não se dá um pedaço de pão velho. Mas a poesia dele é grande. E ele invade a minha sala, senta-se sozinho comigo no meu sofá. Não é a voz do disco no gramofone que fala, é o poeta que veio, nesta tarde, recitar para mim os seus poemas. Mas o poeta é velho. Meus Deus, ele até rir. Mas ele é triste. O poeta é triste. E o que menos quero é a tristeza, porque já a tenho suficientemente. E o disco movimenta-se, a voz do poeta sentado movimenta-se com os homens fora da janela derrubando a parede de uma casa velha. Vão construir uma casa nova, uma vida nova. O pedreiro olha uma mulher que passa e rir. O pedreiro rir. Meu Deus, o pedreiro rir. E o disco no gramofone pára, os automóveis param e todos, agora, ouvem a voz franzina do poeta franzino, recitando pessoalmente um poema franzino. E olham todos para a minha janela e me escondo, não quero ser visto. Não quero que saibam quem mora no andar de cima da casa mil nove centos e catorze. Não quero, não podem me ver. Que vejam o poeta, mas ao não a mim. Que ouçam o poeta, pois sou mudo, pois sou invisível, pois sou triste. E as ruas fazem silêncio, os gritos findam e todos querem ouvir aquela voz franzina recitando um poema sobre o mundo. Aquela voz que é minha, que veio para mim, para compartilhar a minha velhice e a minha tristeza. Mas não sou triste, sou apenas um homem sozinho. E a minha casa está cheia. E cheia a minha casa é solitária. E cheio sou distante. Desligo o gramofone, guardo o disco. Não quero aquele poeta aqui. Perdoem-me, mas tenho de fechar a janela. Não quero que vejam nada desta casa. Deixem o poeta recitar apenas para mim os seus poemas. O poeta é meu. Não posso dividí-lo. A mulher voltou-se para o pedreiro e, agora, a mulher beija o pedreiro. A mulher ama o pedreiro, a mulher terá muitos filhos com ele. A mulher será feliz. Eu sei que eles serão felizes. Não me proíbam de dizer que eles serão felizes e que um filho deles será um poeta franzino, de voz franzina e será meu amigo (meu grande amigo) e, por vezes, entrará na sala de minha casa, sentará no sofá e recitará para mim poemas sobre o mundo. Sim, é o filho do pedreiro e da mulher que passa na rua que, neste instante, recita para mim um poema e faz crê que posso rir e faz rir os meus enfermos. O menino cresceu, o menino cresceu e não quis ser pedreiro como o pai. O menino é poeta e é triste e é sozinho. O menino mora sozinho no andar de cima de uma casa, o menino olha por horas sem fim as pessoas passando na rua. O menino não tem mulher, não tem filhos, não tem amigos. O menino mora sozinho. O menino é sozinho e por isso veio à minha casa recitar um poema para mim. Um poema sobre o mundo. Um poema grande como o mundo. E as pessoas querem escutá-lo, mesmo que ele seja quase mudo, inexpressivo. O pedreiro me convidou para o casamento, mas não quis ir, não posso ir. O que vou fazer em um casamento. Não gosto de casamentos. Casamento é a única coisa que me faz rir. Não posso rir do pedreiro. Seria cruel. E não gosto de ser cruel.

Hoje, a mulher passou na rua e de novo o pedreiro olhou para ela. E riu. Ela olhou para ele. Ela riu. O pedreiro trouxe uma flor franzina, vermelha como a tarde. Mas a tarde não é vermelha. O pedreiro deu a flor para a mulher e ela foi embora. A mulher veio a minha casa.Como? Não posso, eu não posso recebê-la. Não conheço esta mulher. Desculpe-me a ousadia, mas somente o senhor pode dizer o que realmente devo fazer. Não faria nada sozinha, não saberia. Não finja que não me conhece. O senhor me conhece mais que eu mesma. O senhor sabe que sou uma jovem viúva e há anos procuro livrá-me desde véu de penúria, deste luto. E que não agüento mais suportar o espectro do meu falecido marido sobre os meus ombros. Que as pessoas não sabem que sou viúva isto é certo. Mas que a viuvez me distancia das pessoas isto é mais certo ainda. Quero somente _ e o senhor entenderá, porque o senhor é o homem mais inteligente que conheço_, reivindicar o direito de ser feliz. Não que o senhor tenha me negado isso, mas que o senhor anda demasiadamente ocupado e não tem lembrado do meu caso. Há anos tenho tentado fazer com que o senhor se lembre de mim. Há um tempo descobri onde o senhor mora, mas não ousei vir a sua casa, sei que o senhor não me receberia, como não recebe ninguém há anos, somente os seus enfermos. Sei que o senhor é um homem generoso. Falam nas ruas que o senhor tem amado Gegor, que o senhor tem tratado da doença deste pobre homem como um pai. Tenho passado na sua rua há meses, mas somente quando o pedreiro olhou para mim o senhor percebeu. Recorde-se, sou a viúva de um dos Buendía. O seu esquecimento tem me condenado ao sofrimento e a solidão. Permita-me casar com aquele jovem pedreiro, permita-me amá-lo e ter muitos filhos com ele. Não reivindicarei mais nada; peço, que após tanto sofrimento, o senhor me recompense com um tanto de paz. Nada mais do que o que eu mereça. Apenas o necessário. Alguns dizem que o senhor tem feito justiça, mas sei que o senhor não gosta do termo justiceiro. Contudo, sabemos o que o senhor pode fazer, então faça algo por mim. O meu pedido é reles, menor que de outrem. Não peço riquezas, nem prestígios. Não peço grandezas. Peço somente para viver, por um tempo que seja, este amor. Sim, que o senhor depois resolva finalizar a minha existência ou a de meu amado, mas antes que isto aconteça, permita-me primeiro experimentar, por um instante, o amor deste homem. Que o senhor é um homem amargurado todos sabem, mas não temos a obrigação de sofrer porque o senhor sofre. Ninguém diz isto ao senhor, mas tomei a liberdade de dizer: o senhor tem me feito sofrer com suas neuroses e esquecimentos. Que o senhor é apático, um escritor fracassado, que nenhuma mulher olha para o senhor, que a sua vida é colar catálogos nas paredes do seu apartamento... isto todos sabem. Que temos com isto? Não iria dizer, mas, agora, sinto que devo dizer a verdade: não sei de outra pessoa que tenha nos feito sofrer tanto. Que o senhor prefira a escuridão desta sala... estes móveis empoeirados... mas deixe-me ser amada por aquele pedreiro. Deixe-me ser acariciada por suas mãos, deixe-me fazer sexo com ele. Deixe que ele construa uma casa para mim e nossos filhos. O senhor não tem o direito de impedir isto. Não, não tem.

Texto experimental




Aviso: Não pensem que eu tenha esperança de que alguém lerará todo o texto. O propósito aqui é muito mais documentar o experimento que pode ser ou não usado no "Livro da Embriaguez".


... não não não (Pouco sei do que dizem. Eu espero. Mas creio nos que falam de amor com esperança. Eu amo. Mesmo sendo o amor uma construção vaga. Eu amo. À tarde eu sempre pedia esperança aos homens. Esperem! Esperem! Esperem! Ele apenas dorme. Eu gosto dos que dormem. Mas tenho medo dos que dormem demais. Ele haverá de acordar. Vocês não podem ir antes que ele acorde com seu humor, com seu riso. Gosto de quando ele dá longas gargalhadas e conta histórias de festas antigas, em que as mulheres usavam máscaras. Fiquem, por favor. Talvez ele acorde inspirado e recite para nós um de seus poemas. Ele tem poemas de beleza infinda. Afinal, ele é... Esqueçam! Há algum tempo atrás, logo quando vim ajudá-lo na biblioteca, ele se sentou na escadinha que vai para o quintal e ficou por horas recitando poemas que ninguém por aqui conhecia. Era de um livro antigo. Foi numa tardinha de outono. Uma tardinha ensolarada, aliás as tardes por aqui são sempre ensolaradas, até no inverno. Talvez por isso ele vive repetindo que o sol mora aqui, em nossa aldeia. O fato é que ele ficou por horas olhando para uma fonte que havia no quintal e nos chamou para sentar com ele. Não pensei que ele fosse deixar seus afazeres para sentar-se conosco. Imaginava que ele era demasiadamente ocupado para o ócio. Mas ele amava o ócio. Assim, tinha tempo para todos. Hoje, pergunto-me com uma certa dor (não sei se dor é a palavra certa): por que ele ficou aquela tarde inteira recitando versos que tampouco sabíamos o significado? Tudo o que ele nos dizia era tão próximo do que é a música. Mas que é a música? ... Não não não. Não me perguntem! Eu não sei. Depois ele nos trouxe chá. Ele adorava chá. Mesmo no calor ele adorava chá. Não entendíamos nada, nem tínhamos razões para entender. Afinal, ele é... Esqueçam! Peço somente que esperem. Talvez um pouco de chá vai acalmá-los. Eu vou buscar. Aqui lemos os livros sempre com uma xícara de chá sobre a mesa. Não estranhem este nosso gosto desajeitado. É o nosso costume.




Tenho nojo das xícaras. Meu Deus, ali o que tínhamos? Aquelas xícaras foram compradas com o dinheiro que ele nos enviou, mas este tal dinheiro nunca chegou a nossas mãos. Como posso lembrar aqueles ladrões? Talvez as crianças nunca vão compreender o que ocorre com os adultos. O chá sempre foi servido numa garrafa marrom. Queimava a boca. Como tudo naqueles dias queimava a boca e o resto do corpo. Aquele chá, aquelas xícaras deixaram feridas enormes. E tenho levado pela vida inteira o gosto amargo desses chás. Por Deus, odeio chá! Não venham com considerações absurdas. As moças da Formosa não vão entender. Deixe apenas a saliva escorrer sobre minhas costas. Quero sentir a saliva quente queimar a minha pele, a minha boca. Não venha. Aquela velha miserável. E nem tenho argumentos para odiá-la. É só uma lembrança. Agora, reflito. E misturo um pouco de água e sexo. Uma vontade imensa de sentir prazer sempre. Um tanto de tristeza com sono e vontade de ir ao banheiro e lavar o rosto. É como uma vontade imposta, shoperaueriana, como se não fosse possível escolhê-la. Quase um sentimento ambíguo. Soube anos depois que a velha morreu e senti saudades. Por nada. Decerto, pelo o que não foi. Irremediável desgraça: sentir afeto por tudo que não foi. É detestável saber que não me entendem. Paciência. Se vocês esperassem eu até contaria. Odeio aquela velha por tudo que ela poderia ter sido, conforme as minhas expectativas, mas não foi. E o que sei agora? Ela sobrevive em pequenas lembranças. Minúsculas é o melhor termo. Aquela velha de merda. Desculpe-me: não é minha intenção acusar as velhas. Não nos engane. Não tenho tempo algum. Estou quase próximo do fim e você exige que eu espere. Sabe, ele não ama o ócio. Está claro: ele ama o descaso. Se ele dorme é porque não quer falar conosco, pois deve saber que estamos aqui, que temos pressa. E, assim mesmo, permanece dormindo como se estivesse cansado. Cansado de quê? Penso que os poemas que ele recita não devem cansá-lo mais que a amolação dos viandantes. Não. Não queremos o dinheiro que ele nos enviou. Mande estas moedas podres para o inferno se ainda existir inferno. Ah, decerto, vocês deram para ele a melhor cama da aldeia. Oh oh oh. Mande o seu senhor para os diabos. Destarte, ele encontrará o que fazer.



Era uma saudade permanente. Íamos àquela casa somente quando alguém morria. Era comum que nos encontrássemos diante dos mortos. Meu Deus, eu tinha vontade de ser como eles (não como os mortos). Como os vivos daquela casa. Vontade de cruzar os braços e fumar cigarro como os homens e sentir dentro do corpo a velocidade de um automóvel. A morte estava lá. Sempre a morte deitava-se ali. Eles morriam cedo, enquanto o resto do mundo envelhecia. Enquanto as mulheres rezavam com os filhos. A morte era uma triste amiga. Sempre tive muito medo de morrer. E ainda estou vivo para vê-lo acordar. Os mortos ficavam misturados com a desordem da sala, da cozinha. Com as roupas do quarto. A televisão ligada o dia inteiro exibia-se para as paredes. Eles comiam como leões. Os mortos estavam sobre a mesa, entre os pratos. Eles comiam também os mortos e riam e riam e riam. Para que rir? Vi o velho morrer dia-a-dia, o velho apodrecer a esmo no piso da varanda. E vi aquilo como se a morte fosse o pagamento de suas misérias. E sentia alegria de vê-lo morrer, de vê-los todos morrerem. Perdoe-me: é, deveras, forte admitir isto. E sentia como se aquela casa foi um grande túmulo sem epitáfio.



Ele deitou sobre a cama como se tivesse cansado do seu próprio silêncio e esperou que ela também se deitasse. Quando ela veio e desligou a lâmpada ele tirou a faca que estava sob o travesseiro. Depois de matá-la ele se suicidou. Não vimos os corpos. Não houve coragem entre nós.



Tenho grandes esperanças. É algo até agradável. Tudo indica que não retornarei àquela casa. Há lugares que jamais retornarei. E há outros pelos quais sinto forte arrependimento de não ter ido. Algumas camas esperam para que eu durma nelas e deixe um tanto dos meus pesadelos ou do meu implacável desejo. Não condenem o sexo. Que tenho feito com as mãos? Durmo sempre à espera do outro corpo que virá com suas ternas carícias. Tenho pena de mim que não tenho nada. Não tente me depreciar. Não não não. Só espere. Fiz de mim uma miragem. Já morei em muitas casas. E já vi muitas janelas. Se eu morresse agora seria apenas um contratempo biológico. É cedo para que eu morra ou me mate. Por vezes, receio me matar antes da hora. O suicídio é um ritual. É em vão. Esta coisa de querer ser grande me atormenta. Dor amarga esta, a posteridade: um fragmento.



Ela me levou para o quarto e ordenou que eu ficasse calado sobre a cama e me fez sentir cócegas nas pernas. Tenho esperado de modo exagerado e penso. Ela me deixou nu e acendeu treze lâmpadas no quarto. Ela conhece o meu corpo mais que eu. Quando acordei ela trouxe chá numa xícara branca e sentou ao meu lado meio inquieta, rasgou algumas páginas do livro e enxugou o suor do meu rosto. Ela me beijou e me fez sentir frio. M. tem mania de ser misteriosa.


O que tenho agora? É esta vontade de dormir um pouco, de ficar quieto na cama para que ninguém perceba que estou em casa. Não sinto vontade alguma de falar com quem quer que seja e quando o telefone toca é como se um sino tocasse desesperadamente dentro de mim. Tenho vontade de desligar tudo e ficar quieto dentro da minha própria escuridão. Tenho medo de amar como as mulheres amam. Sim, é quase certo afirmar que faz muito tempo que não escrevo, nem telefono. Você repete, como se fosse uma verdade, que me tornei incomunicável. Não é tudo isto verdade, como não é verdade que eu os esqueci. Como poderia esquecê-los? Não sou tão pretensioso quanto pareço e, por mais que aparente estar distante, devo, com certeza, está presente nas conversas de todos. Devo dizer, com efeito, que sou eu que tenho me sentido solitário. Talvez por desejo próprio, mas a solidão de agora não é muito diferente da solidão que eu sentia quando morava com vocês ou quando estive em outras casas, morando com várias pessoas. Tenho impressão que eu me sinto solitário desde que nasci, o que não é nenhum mérito para mim. Não é mesmo nenhum mérito a tristeza. Mas apenas descrevo o que sinto e você, decerto, entenderá. Tenho também a impressão de que você é a única pessoa capaz de me entender, porque talvez isto que chamam de alma seja algo em nós muito parecido. Penso que adentrei definitivamente em um estado ardente de vazio, como se não tivesse nada para dizer que fosse, de fato, interessante, isto é, que me desse prazer de compartilhar. Penso que me tornei um homem seco, por mais que eu esbanje simpatia nas conversas informais, que mantenha um riso descarado no rosto, como se não houvesse tempo ruim. Eu sou uma farsa. Estranha para mim e para os demais. De repente tenho a sensação de que quanto mais procuro mais estou distante. Assim, tento inventar atividades amenas que me permitam sentir prazer, pelo menos numa pequena parte do tempo. Acho mesmo que guardo uma dose razoável de criatividade dentro do meu peito, com isso agüento o peso dos dias. Eu engano. Meu Deus, como estou me tornando um gênio na arte enganar (se isto for arte). Talvez eu consiga o grande feito de enganar a própria morte.





Quando pensei em escrever esta carta acreditei mesmo que escreveria algo grandioso, ademais não há momento em que eu não aspire a grandiosidade. E, por isso, eu sei, tenho tanto medo. O que não é novidade quando o que encontro em minhas andanças são pessoas medrosas. Porém, elas fingem. Como grandes atrizes elas fingem uma coragem extraordinária. Aqui, a cada palavra, sou tão parecido com o Sr. Ernesto López, o que é complexo, porque o meu fingimento chega a ser doentio. O Sr. Ernesto se suicidou a pouco tempo deixando comigo um túmulo inumerável de poemas. Mas ele era um homem corajoso, tanto é que amou com o próprio sangue, a ponto de escolher a morte. Não fique espantada com o que digo. Talvez um dia você entenda, ainda que não adentre o meu peito podre. Vou contar para você o que nem eu tenho certeza que sei de mim. Suponho, então.



Tentarei não fantasiar o que já é demasiado alegórico. Desde que vim para cá tenho sofrido. Saiba, não estou exagerando quando afirmo que tenho sofrido. E você, decerto, está me reprimindo: volte, então, para cá. O fato, minha irmã, é que não encontrei, até então, nenhum lugar que me fizesse feliz. Porque não são os lugares que determinam a minha felicidade. Sou eu que não consigo me sentir em paz em qualquer parte que seja, é dolorido o peso que me foi imposto, ou que eu me impus. Perdoe-me: não farei uma elegia à vida. Não espere que eu cantarole as esperanças, que exalte o que quer que seja. Não tenho olhos para o sublime. Na verdade, até hoje tento entender as aulas de Estética quando não tenho sono, isto me faz dormir. Com franqueza, não gosto de minha amargura. O meu vazio é resultado do meu cansaço. Chego ao fim do dia como se chegasse ao fim da vida. Vivo exausto. E já comecei a usar remédios para me sentir menos cansado. Compro numa farmácia aqui perto. Não é caro.


Lazzaro: Ali havia uma ponte. Acho que era uma das maiores da cidade.
Ernesto: Onde?
Lazzaro: Olhe, logo atrás daquela árvore da pracinha. Está vendo?
Ernesto: Ah... acho impossível que tivesse uma ponte ali.
Lazzaro: Pois acredite. Havia uma ponte exatamente atrás daquela árvore da pracinha, onde está passando, agora, aquela mulher de saia azul.
Ernesto: Sim, mas por que você lembra esta ponte com tanto entusiasmo?
Lazzaro: Meu caro, Ernesto, acredite foi graças àquela ponte que hoje estou aqui com você.
Ernesto: Gosto do seu tom esperançoso. Como isto aconteceu?
Lazzaro: Meu amigo, não aguentava mais aquele sofrimento interminável. Eles mataram muitos homens do partido... Como tudo por aqui mudou...
Ernesto: Ainda bem! Nunca andei por este lado da cidade, mas acho tudo por aqui um tanto triste.
Lazzaro: Eles acreditavam que eu era do partido e você sabe que nunca fui de partido algum. Eu apenas cria, como creio hoje, que o mundo, seja como for, poderia ser mais justo.
Ernesto: Você realmente crê?
Lazzaro: Por Deus! Você sabe que eu creio.
Ernesto: Você foi preso...
Lazzaro: É verdade! Foi lá que me prenderam, onde fica aquela pracinha.
Ernesto: aqui realmente mudou: não imagino uma prisão naquela praça, nem uma ponte.
Lazzaro: Não era uma prisão, isto é, não era oficialmente uma prisão. Era uma casa muito bonita. Ficamos presos, eu e os homens do partido, dentro do porão.
Ernesto: Dentro do porão? Que criativos. Como se não tornassem a nossa vida, mesmo aqui fora, um porão escuro.
Lazzaro: É... Havia uma janela, de onde entrava ar e luz. O que seria de nós não houvesse isso. Da janela podíamos vê a ponte.
Ernesto: Que tem a ponte?
Lazzaro: Durante meses a única alegria que eu tinha era olhar aquela ponte e vê, por vezes, o pequeno rosto das pessoas passando. Eu já havia esquecido como era um riso.
Ernesto: E como é um riso? Eu não sei como é um riso.
Lazaro: Escute! Tente entender. Para mim foi importante.
Ernesto: É que não costumo vê pessoas rindo, nem nas ruas nem nas pontes. Nem nas praças.
Lazzaro: talvez você nunca vá entender.
Ernesto: o que, Lazzaro?
Lazzaro: ... um dia vi um menino se aproximar da janela e comecei a asssoviar como um pássaro.
Ernesto: Talvez porque você quisesse escapar daquela gaiola.
Lazzaro: É. Você está certo. Eu queria escapar como qualquer pássaro.
Ernesto: E o que você fez?
Lazzaro: Um dos homens do partido convenceu o menino que nos trouxesse uma serra. Mas tínhamos um pouco de medo, pois Eles não sabíam que aquela janela dava para a rua.
Ernesto: o menino trouxe a serra?
Lazzaro: Trouxe!
Ernesto: É esquisito... não sei o que faria se estivesse lá.
Lazzaro: Você faria o que todos fazem, mesmo quando não estão lá.
Ernesto: Eu sei...
Lazzaro: Todos queremos escapar de qualquer jeito.
Ernesto: De qualquer lugar, a qualquer hora.
Lazzaro: depois que fugimos e tive que acompanhar os homens do partido. Era a única alternativa.
Ernesto: Não havia outra, Lazzaro. Não se culpe!
Lazzaro: Tive que deixar o país, tive que deixar tudo que eu tinha. Porque Eles, Eles sempre estão entre nós com suas algemas.
Ernesto: E nos prendem de qualquer maneira.
Lazzaro: Eu sei...
Ernesto: Eles o matariam se você tivesse ficado.
Lazzaro: Não. Eles me mataram de qualquer modo.
Ernesto: Não diga isto, assim você se parece comigo. Onde andam as tuas esperanças? Você sempre foi tão corajoso.
Lazzaro: Não, Ernesto, eu é que sou covarde. Você está enganado. Com toda a minha luta, eu é que sou covarde. Pensei que poderia mudar o mundo. Enquanto você sempre soube que não poderia mudá-lo.
Ernseto: eu confio em você e nunca disse nada contra a sua luta, sempre tentei ajudá-lo.
Lazzaro: Não é isto. Não estou cobrando nada de você. Enquanto eu cria que lutava você amou. O que adianta tanta luta se quando mais precisamos estamos sós.
Ernesto: Não volte a esta história, por favor. É demasiadamente dolorida para nós.
Lazzaro O que não é dolorido para nós?
Ernesto: Nada... esquece...
Lazzaro: ela sabe que eu a amava.
Ernesto: Como queria que ela ficasse com você se você estva preso e só tinha tempo para a luta e a luta, a sua luta.
Lazzaro: não fale assim.
Ernesto: perdoe-me, irmão.
Lazzaro: você sabe o que é perder um amor.
Ernesto: Eu sei...

Não é possível que eu me assuste tanto. Eu tento a cada segunda-feira organizar o quarto, mas não há mais jeito. Sempre a mesa está cheia de papel e a cama está tomada de roupa meio suja. Só separo um espaço adequado para que eu possa descentemente dormir. Não é justo que eu não durma. Tirem tudo de mim, menos o tempo sagrado que eu reservo para repousar sobre a cama. É uma necessecidade animal esta de dormir. Não se engane. A cada momento, em que jogo sobre a cama este corpo humano, rogo, no fundo do peito, para ficar definitivamente no reino dos sonhos. Sabe, quando eu durmo é como se buscasse um campo distante, onde pudesse respirar com alívio. O meu sono é fuga. Acho enfadonho falar de mim. Depois de um ano, sinto-e como se olhasse para trás e não tivesse nada de especial para contar, como se estas perambuções fossem fúteis. Meu Deus, é engraçado como tenho me tornado um animalzinho rabugento. Bem, não sei de nenhum patrício que venha pagar minhas contas. Eu tenho contas. O animalzinho tem contas. Não reclame: o homem deve somente... esqueça! Tudo o que devo é para o sustento do corpo. Nada mais. Que tenho feito pelos outros? Agora, falaremos de compaixão. Interessante! Quando aperta a agonia, lembra-se, enfim, dos outros. Os outros sofrem menos que nós.



Depois de um dia a esmo, sento-me. O que você dirá disto? Não diga nada quando não há nada para dizer. Espere até que as palavras cheguem para ocupar o vácuo. Para que o caos pareça razoável e se misture a esta ausência de silêncio. Recolho-me e é certo que isto não interessa em nada. Estes caminhos e estes sobrados fascinam meus olhos como num filme. De repente, poderia, sem ressalvas, despojar versos e desabafos em voz alta quando caminho para o museu. Ernesto, o meu amigo, vai comigo. Por Deus, a esta hora, que é tarde, estou só. Esta é a pior doença: não encontrar pares para que ouçam nossas vis palavras. Devo dizer: que é o homem, senão um andarilho solitário. Não temos razões para o engano: com eficiência, tentamos nos agregar, como um bando, porém estamos sós, como na hora da morte. A morte é somente o momento culminante da grande solidão que foi a vida, que é a vida. Devo também dizer – e não sinto nenhum orgulho disto – estou morto. E, em nada, tomo distância destes ossos misturados com terra. Agora, pergunto-lhe: que sou? Este cemitério infindo meio à cidade? Estas cruzes e estes anjos tenebrosos? Pior, minha irmã, não sou nada. Nada que fique para a história como um grande monumento ou o nome de uma rua ou de uma praça. Não me lembro. Por Deus, por esta noite que cresce diante dos meus olhos, não me lembro de nada que me faça ficar por alguns anos diante dos olhos dos homens. Que resta? Às vezes, o que nos resta, deveras, é este silenciar da noite cálida, quando nem os fantasmas se lembram que existimos. Nem as estrelas se lembram.

Bilhete para Dom (Rafael Coelho)





São Paulo, 23 de outubro 2008

Minha luta agora é brava e cansativa. Depois de um ano e dez meses como professor de Filosofia, cheguei ao limite desta profissão (creio que parecerá desagradável se eu usar o adjetivo profissão infeliz). Não a Filosofia. Adoro Filosofia. Mas a profissão de lecionar que é um castigo, menos para o corpo e mais para a alma.

Admiro em mim a clareza de perceber aquilo que me faz mal. Deixei o curso de Psicologia e fui para o Jornalismo, que é um divertimento agradável. Agora, preciso dizer adeus a este trabalho desgastante - em alguns instantes penso que inútil também.

Cara, não é nada fácil mudar de emprego nesta selva, São Paulo. E sei que mais tarde terei que lecionar numa faculdade, afinal estou no mestrado em Filosofia e terminando uma pós em Comunicação e Mídia. É tanto curso e muito cansaço.

Por vezes, tenho vontade de ficar na casa do Dom paulistano (a sua versão aqui em Sampa) e fumar e cheirar todas. Aí vem aquela obrigação que me trouxe da Amazônia para cá: eis-me aqui para vencer. Não dá para mergulhar em ilusões alucinógenas. Sobre a minha cama há um monte de papel. Há 200 envelopes, mil folhas sulfites ...


Rudinei Borges

Conversa de Rudinei Borges com Felipe Garcia





"Eu celebro a mim mesmo, e o que eu assumir você vai assumir, pois cada atómo que pertence a mim pertence a você". (Walt Whitman)



Felipe Garcia: Os gregos e os latinos tem muito que nos ensinar sobre a clareza das coisas. A poesia não é essa força esmagadora de uma forma, essa coisa descontrolada em que o poeta não sabe o que está dizendo. Um grito, em um poema, é tão suave como um volante hidráulico (sem futurismo!). Meu caro Borges, eu já vejo em sua poesia certa clareza e liberdade, principalmente em Ernesto, e fico muito feliz por isso. Eu estou desenvolvendo os versos nesse processo eterno de tentar buscar o íntimo das coisas livre de qualquer compreensão ou conhecimento de mundo. Poeta, não grite às alturas os teus versos, viva-os.


Rudinei Borges: Gosto do teu dizer. De fato, os gregos e os latinos tem muito que nos ensinar sobre a clareza das coisas. Não sou um poeta panfletário. Sigo apenas os meus mestres: Pessoa, Whitman, Eliot, Bukowski, Rilke e Lorca. Talvez eu tenha lido de mais estes caras. Parece-me que você e eu, porém, ainda não abraçamos a poesia pós-moderna de Leminski, por exemplo. A poesia visual. Você precisa conhecer "Folhas de relva" de Walt Whitman. Aí deveras entenderá a linha poética que sigo. Não sei e não consigo ser cerimonioso como os gregos e os latinos. Mas não sou panfletário.


Felipe Garcia: Ah, eu te compreendo, Borges! Realmente não é um panfletário. Eu conheço alguns poemas de Walt, sou sincero em dizê-lo, mas meu conhecimento da obra dele ainda é muito pequeno. Irei dar uma olhada melhor na obra dele. Sempre tenho esse olhar para frente, sem esquecer os grandes, tentado mudar alguma coisa, não sei. O caminho é certo, e o destino o fará. Até mais!
Avise-me quando você vier, assim eu planto no jardim as papoulas vermelhas que prometi faz tempo.

Avise-me e pintarei a casa, arrumarei a cerca e lavarei o chão.

Não. Não avise. Venha e terei certeza de que tudo isto será feito.


(Madrugada do dia 25 de outubro 2008)
Perdoa-me, por vezes.
Perdoa-me que o perdão é um sentimento vigoroso.
Perdoa-me, mas morde os meus lábios
E arranha as minhas costas.
(Tarde de 24 de outubro 2008)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Para Ernesto López


(Por Rudinei Borges. Pintura em muro na Zona Leste de São Paulo. Autor anônimo. Dezembro 2007)

Naquele dia triste, peguei na mão de Ernesto,
Pedindo-lhe que me guiasse para um caminho
Correto, justo e honesto.
Ele me disse: “vai, segue sozinho,
O único caminho que há
É o meu protesto”.


Poema de Felipe Garcia, poeta do Rio Grande do Norte

sábado, 18 de outubro de 2008

Para Caio e Felipe






Que venha a morte maldita com
A traição tardia, com
Os cajados cálidos, com
O sussurro vago das paixões findáveis, com
Os violeiros do calvário, com
A cantoria triste das mulheres.
Que venha a cruz.

Que venha a agonia estéril, o
Asco dos soldados, o
Suor dos viajantes, a
Dor amargurada das mães.
Que venha a cruz.

Que venha a
Espada, a
Lágrima acre, o
Cântaro de vinho, o
Lenço, o
Manto, o
Ardor, o
Espinho.
Que venha a cruz.

Que venha o
Pássaro diante do sol, a
Tempestade crua, a
Terra árida, a
meretriz afoita, o
Galo (sem adjetivos).
Que venha a cruz.

Que venha Hitler, a
Mãe e o pai de Hitler.


Que venha Judas - terno e compadecido.
Que venha Judas como veio Heitor.
Que venha a cruz.

Que venha a
Minha mãe, os
Meus irmãos e o meu pai.

Que venha o
Meu amante, o
Meu patrão, o
Meu algoz.
Que venha a
Minha mãe.
Que venha a cruz.

E que venham os
Meus mortos, os
Meus vivos, os
Meus tataravôs e a
Srta. Rosângela, minha tia.

O
Jovem Thiago, meu primo.
Os
Parentes que não conheço,
Os
Parentes que odeio.

Os meus amigos e os meus inimigos.

Que venha a
Moça morena que amou o
Meu corpo e a
Minha alma às margens de um rio.
Que venha a cruz.


Que venha o
Meu filho e a
Minha filha.

A minha mulher e o meu marido.

O
Meu relógio,
Os
Meus discos,
Os
Meus livros,
A
Minha cama,
O
Meu diário.
O
Palhaço pequenino
Que eu trouxe duma viagem à Paraty em julho de 2007.
Que venha a cruz.

Que venha D. Quixote e Sancho Pança,
O menino Alfredo e Eutanázio,
A Sra. Amélia Lages e a Sra. Zizi Teles.
Que venha D. Rosalva Borges,
A Sra. Alzira e o Sr. Moacir Dias.
Que venha a cruz.

Que venha o diabo vestido de poeta
Ao lado de Ignacio Sánchez Mejías e Zaratustra.
O Sr. Freud, o Sr. Marx, o Sr. Nietzsche:
Que eles carreguem a cruz.

Que venham as ovelhas, os pastores, os elefantes,
Os trapezistas, os macacos, as cadelas no cio.
Que venha a Srta. Princeza, minha cadela morta.
Que venha Beethoven e Marcel Marceau.

Que venham com
Mísseis e bandeiras, com
Aviões e automóveis, com
Telefones e computadores, com
Gaitas e gramofones.

Que venham com
O crepúsculo ardendo nos olhos.
Que venha a cruz.

Que venham descalços e nus
Para chorar a morte do Cristo Jesus.

(Ernesto López)

14 de outubro 2008
São Paulo, SP
Quarto do sobrado no Ipiranga, à meia noite e quatro minutos.

Dentro do corpo



"A mim, a solidão não incomoda... detesto quando me roubam a solidão sem me oferecer verdadeiramente companhia..." (Nietzsche)


Queria todos os tóxicos dentro do meu corpo.

Dentro do meu corpo todos os cânceres.

Dentro da minha boca a saliva de Leonardo Da Vinci.



(Ernesto López)

sábado, 2 de agosto de 2008

O anjo de mármore


Texto da tarde do dia 2 de agosto possivelmente para o romance "O anjo de mármore"


(Cemitério Sto. Antônio, em Itaituba, PA. Janeiro 2006 - Por Pablo Enrique Xavier)


Talvez um dia eu deite o corpo sobre a cama e não sinta mais saudades. E neste dia não estarei mais aqui. Irei longe, para além dos campos, como aquele poeta que amou Duíno. Longe com o meu anjo, deitado sobre as suas asas e a alvura de suas vestes. Longe, para os trigais, para as colinas onde as papoulas germinam. Longe, mas estarei sempre no cais. Longe, mas quando chegar a tardinha voltarei a cada badalada do sino. E terei nas mãos a calidez do meu menino. E viveremos juntos às margens deste rio esverdeado. Sem os banzeiros e nem as tempestades. Viveremos juntos numa cabana na floresta. Em qualquer lugar que seja terno.

Tentei escrever, mas já é tarde e o meu corpo reza o seu próprio desespero. A minha agonia não vale uma gota do seu sacrifício. Não espero mais nada, nem um pedaço de pão, nem um grama de esperanças. Por isso, entrego-me a este pântano que não conheço, a este deus miserável e oculto. Por isso, deito-me na relva e abraço os espinhos. Não há dor maior. Só a tardinha que se perde no meu silêncio. Que devo dizer? Que hoje sou um homem triste quando prezam pela alegria? Não devo dizer.

Deitei o meu amado dentro do meu peito. E ele dorme agora como um menino. E aqueço a alma com a sua poesia, com o seu cantar matutino. Do seu rosto arranco todo o mármore. E deixo que ele levante vôo para os rochedos distantes. Não sou herói. Porém, meu caro Jude, amei mais que qualquer ser na face da terra. Talvez por isso eu sofra mais que qualquer ser na face da terra. Talvez por isso eu grite. Descanse, meu caro. Descanse. Porque quando a noite chega as papoulas adormecem, resguardando energia para a alvorada. Descanse, porque eu não consigo fechar os olhos por um instante. Porque o meu castigo é olhar os dias passarem por esta janela e odiá-los como a um inimigo mortal. Descanse e depois me conte a respeito do que você sonhou ontem à noite, pois tenho saudades de sonhar como os meninos do trapiche. (Por Ernesto López)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Texto do dia 29 de julho 2008 para "O Livro da Embriaguez"


(Tardinha no Ipiranga, São Paulo - Por Rudinei Borges)


O que fazer, meu caro? Esta é a pergunta de todas as manhãs. Antes eu não perguntasse nada, não vivesse com estas indagações corroendo o cérebro. Antes não fizesse nada. Mas quando não faço nada me culpo, porque as pessoas são céleres; porque de minha cama ouço os automóveis seguindo para o infinito e as pessoas murmuram às cinco horas da manhã. E quando acordo às cinco horas da manhã tenho sono o restante do dia. Como tenho agora. E ter sono não é nenhuma vergonha, como também não é nenhum mérito. Se eu dormisse menos seria maior e as minhas ambições talvez estivessem no ápice.

O que posso querer de mim e do mundo e das pessoas? Que eu seja melhor, que o mundo seja melhor, que as pessoas sejam melhores? Decerto, não haveria tanta bondade para tantas coisas. Não pedi para estar aqui e tudo aqui é estranho. Pensei que com os anos tudo se tornaria familiar e que eu teria alguma vontade de andar por estes caminhos. No entanto, o mundo é feio e eu mesmo sou feio. E não lembro de contemplar por estes anos qualquer coisa que seja semelhante ao que dizem que é a beleza. É uma idéia vaga, um devaneio vão.



(Ipiranga, São Paulo - Por Rudinei Borges)



Não, não posso querer nada que não seja uma idealização patética. Autorizo, então, o sofrimento e a morte. E ainda assim odeio o sofrimento e a morte. Não sou perfeito, porém não tenho desejado a perfeição. Não sou belo, porém não tenho desejado a beleza. E o pior que podemos encontrar num homem é sua capacidade de não desejar. E aqueles que não desejam não são mais mortos-vivos que aqueles que desejam. Temos uma multidão de fantasmas. Ser otário é uma atividade divertida, porque o otário não tem o que esperar a não ser um costumeiro desprezo das coisas das pessoas e de si mesmo.


Estas vozes cansam. O sono e a falta de sono cansam. Olho as pessoas e o que elas produzem. Olho para estes homens construindo estas casas. Olho para mim. Queria sentir orgulho disso tudo, amado Franz. Queria amar estas vozes, estes homens construindo estas casas amarelas. Contudo, nada. Nada vem, senão este aperto de cada manhã. Esta vontade de vomitar a própria existência. (Ernesto López)

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Textos malditos para O Livro da Embriaguez


(Para Will. Museu do Ipiranga. Maio 2008. Por Rudinei Borges)
...esta casa amarela entre outras casas amarelas. O horizonte infindo é um concreto vago. Se pudéssemos comê-lo sentiremos um gosto amargo. Tudo nesta manhã é amargo. Menos o manequim dos biquínis roxos e a escada rolante vagarosa e rolante. Hoje, sou isto, amanhã aquilo. Não, eu sempre fui isto: um almoxarifado. O silêncio de domingo, o sino. Aquela senhora, interessante senhora do Ipiranga, ela come as unhas e o cabelo foi penteado às pressas. Aquela senhora olhou para mim. Não gosto que olhem para mim. Que olhem para as paredes, para o teto. Olhar para mim? Ah, que desperdício de energias. Um espelho? Para que serve um espelho quando não queremos olhá-lo? Talvez para recordar que um dia debaixo da porta houve uma carta e que as chaves são semelhantes aos chifres de Lúcifer. Um dia vi Lúcifer. Mas Lúcifer é imbecil e poeta. E eu não gosto de poetas. Aliás, o que tenho feito, senão odiado este recital trágico. Meu caro, Jude, a vida é perigosa como estas estátuas. Não duvide. Este homem que lê ler a si mesmo vagarosamente e amanhã deixará a saliva sobre os espectros. E este homem que escreve deitou-se com as algemas. Esta casa amarela. Meu Deus! Se você olhasse para mim. Mas não gosto que olhem para mim. Desconfio de mim que não durmo.

É interessante como me acusam. E é mais interessante como eu os acuso. Todas as manhãs sinto o aroma dos meninos de Sodoma, mas o meu coração é pequeno. Eu olho os pássaros como se olhasse os pássaros e sinto afeto como se sentisse afeto. Meu caro, há duas saídas sábias: ou escute estas frases ou escute estas frases. Eu não teria saco para isso. Talvez por isso tenha dormido tanto este tempo todo. Aos poucos busco alguma pequena razão neste soneto. E aos poucos fico animado quando leio algo verdadeiramente interessante. Porém, ler e escrever são um exercício para o próprio sepultamento. Eu não vou ao bar ou vou ao bar. Não sei se o sexo faz dessa carta um tratado valioso. Em verdade, quando faço sexo me sinto agraciado pela coragem. E o que pode um escritor com a coragem? Decerto, se eu não fosse um fracassado não escreveria merda alguma. A matéria deste negócio é o meu próprio flagelo.

Desista. O que importa, de fato, é o desejo abrupto e freqüente de sair às ruas e fazer sexo até sentir que a morte, enfim, está próxima. Eu sou o resumo de minha carência. O que faria com a iluminação? Acho que só há uma solução sábia e não duas: perdoa-me depois de cada frase ou sinta compaixão ou sinta amor ou venha fazer sexo comigo ou deseje os meus lábios ou chupe o meu pescoço ou vá para o inferno.

Naquela noite, então, deitei-me na grama como tenho deitado sempre. Já havíamos amontoado muitos gravetos e Deus havia feito uma fogueira admirável. Por isso, não senti frio. Tínhamos chá e tomamos. Também alguns lenços e fizemos mágica. Lemos todo O divã de Tamatit. Foram horas naquele recital. Restaram algumas brasas. Era escuro e devagar Deus acariciava os meus lábios. Não foi preciso esperar.

Toda noite uma janela fica com as lâmpadas ligadas naquele edifício. Quase não vejo ninguém e a música do meu despertador perdura em minha memória como se o despertador ficasse despertando o dia inteiro. Sim, eles retornavam de um sepultamento. Aquela manhã o sol estava quente. Mais à frente Camile caminhava com o guarda-sol aberto, enquanto Jean olhava os bichinhos entre as papoulas vermelhas. Jean ainda não entendia sobre enfermidades e sepultamentos. Creia, Camile retornava com um olhar entristecido. Aquela casa ao fundo era estranha. Não entendo. Eddie não gostava de casas grandes. Ele sempre foi tão comedido. Jude, acalme-se. Eu queria acordar com maior clareza do que aconteceu. Não tenho mesmo pretensões. Há uma coisa de culpa sempre. Eu não sou culpado. Sei, não careço de defesa.

É sufocante vê uma mulher como Camile chorar. Chorar é imundo. Eu sinto nojo de quem chora. Talvez por esta razão eu não sinta uma gota de amor por mim, nem pela humanidade. Não diga que estou mentindo. Amei. Sim, amei como um louco, como um bêbedo, como um cachorro, como uma puta, como um martelo, como um sapo, como um unicórnio, como um muro, como uma xícara, como uma pétala. Amei com um homem desesperado ama. Amei Franz Eddie e continuo amando Franz Eddie e continuarei amando Franz Eddie. Ah, é por esse motivo que me acusam ou é porque não suportam o cheiro de álcool no meu hálito. Tornei-me uma vergonha. Que mérito o meu. Eles estão preocupados comigo (cinismo). Pobrezinhos... Como gosto deles. Foi Godot que os enviou aqui? Acho que eu deveria citar Beckett esta carta inteira. Aliás, maldito Beckett que nasceu antes de mim. Faríamos um dueto romântico incrível. Ou não faríamos nada. Não fazemos nada quando desejamos fazer nada ou ao contrário. Tenho vontade de fazer xixi...

Eu organizei os versos e após o título citei o nome de ruas. Eu não sei o que li. Nos últimos meses não tenho lido nada. Apenas artigos, comentários, frases. Eu deveria tentar ler a Bíblia. Talvez o livro de Ezequiel, o Apocalipse. Ou os escritos de alguma religião oriental. Eu queria ler algo que fosse misterioso, mas que não fosse enfadonho. Estes livros com muita obviedade me deixam atormentados. Sou vagaroso até para escrever uma carta. Catherine não envia uma lauda sequer. Menos ainda Alfredo. O único que, com freqüência, lembra que eu existo é o nosso amado Lazzaro. Meu Deus, sempre com aquela revolta, sempre com aquela vontade de salvar o mundo. Disse-me que eu moro fora deste mundo e que o ostracismo é uma opção. Só um idiota quer salvar a humanidade. Ninguém em sã consciência acredita que há salvação para estes aglomerados de carnes que andam nas ruas. A falácia é uma virtude. Não posso esquecê-lo. Um dia àquele cárcere desprezível para visitá-lo. Ele ficou surpreso.

Cena I

Lazzaro: como você conseguiu fingir não está bêbedo estando (surpreso)? Um poeta deve acreditar na humanidade (convicto).

Ernesto: Meu caro, Lazzaro, entendo mais de sexo.

Cena II (...)

O que não sufoca? Não consigo organizar os argumentos. HgfjjKLnsdlj(dslalwfejklsjauiweub ssnm, naldhujqhdsjqbbkdppion-jiudmsniSL7(8uçpwjfddsffwçpieiufnc.m,ZTos esperam por horas. Talvez se eu os acusassem. Se eu disse que eles são os assassinos. De que adiantaria? Não tenho esperança de vê-lo. Acorde, por favor. Não durma. Por favor, não durma (com grande desespero). não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não na
não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não na
não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não na
não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não na
Naquela noite, então, deitei-me na grama como tenho deitado sempre. Já havíamos amontoado muitos gravetos e Deus havia feito uma fogueira admirável. É sufocante vê uma mulher como Camile chorar. Chorar é imundo. Eu sinto nojo de quem chora. Cena XXII: 1801198318011983180119831801801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983180119831801198318011983 não não não não não não não não não não não não983180119831801198318011983180 desesperado ama. Amei Franz Eddie e continuo amando Franz Eddie e continuarei amando Franz Eddie. Ah, é por esse motivo que me acusam ou é porque não suportam o cheiro de álcool no13+12+134+897-7-8-54-56+654x(13+12+134+897-7-8-54-56+654)x(13+12+134+897-7-8-54-56+654)+{[(abcdefghijklmnopqrstuvxwy)]+z}x13+12
+134+897-7-8-54-56+654x(13+12+134+897-7-8-54-56+654)x(13+12+134+897-7-8-54-56+654
= abcdefghijklmnopqrstuvxwy+ywxvutsrqponmlkjihgfedcba-aeiou- abcdefghijklmnopqrstuvxwy
+

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Não sou alegre, nem triste: sou poeta.

quarta-feira, 18 de junho de 2008


O velho poeta Bukowski


"Eu não vou muito a bares. Tirei isso do meu sistema. Hoje, quando entro num bar, sinto náuseas. Freqüentei muito, enche o saco. Os bares servem para quando somos jovens e queremos brigar, dar uma de macho, arrumar umas mulheres. Na minha idade, eu não preciso mais dessas coisas. Agora só entro nos bares para urinar. Às vezes, entro e já começo a vomitar".
(Bukowski)

Nunca li nada de Bukowski, mas algumas trechos sobre sua biografia me interessaram de modo comprometedor (o modo que nos deixa com o desejo de conhecer de fato). Penso que é uma certa mania esta o despertar da paixão pelos malditos, os que ficam bêbedos e são livres.

Tive o mesmo sentimento quando li sobre Rimbaud, Ginsberg, os hippies e a juventude de 1968. Trata-se do estranho anseio de ser livre. O mesmo também sinto por Sartre. Mas, com sinceridade, penso que sou semelhante a Proust, a Fernando Pessoa, a Drummond. Eu sou acanhado. Decerto, é muita pretensão ficar nessa tentativa de comparação a grande escritores. Na verdade, é um costume dos meus treze e catorze anos quando à noite eu sentava na mesa da cozinha e imaginava uma reunião de poetas famosos. Um sarau de malditos, uma sociedade de poetas. Eu ficava por horas recitando poemas.Em falta de uma sociedade real de poetas criei a minha própria, inventei os meus próprios poetas-personagens: Eva, Catherine Marie, Ernesto López, Franz Eddie e Lazzaro Borges.

Quando li que Bukowski adorava os bares lembrei de Ernesto e do Livro da embriaguez, que estou escrevendo vagarosamnete desde 2006. Apesar de vê em Ernesto uma aproximação com Álvaro de Campos, Mário de Sá Carneiro e Rimbaud. Num poema de Ernesto ele afirma que seu deus é Álvaro de Campos. Porém, agora aparece esse puto.

Enfim, maldito velho safado (Bukowski) nos falaremos. É verdade que será uma relação de inveja, já que sou um tímido rebelde tímido.



Av. Sapopemba - dezembro 2007 (por Rudinei Borges)



...esta casa amarela entre outras casas amarelas. O horizonte infindo é um concreto vago. Se pudéssemos comê-lo sentiremos um gosto amargo. Tudo nesta manhã é amargo. Menos o manequim dos biquínis roxos e a escada rolante vagarosa e rolante. Hoje, sou isto, amanhã aquilo. Não, eu sempre fui isto: um almoxarifado. O silêncio de domingo, o sino. Aquela senhora, interessante senhora do Ipiranga, ela come as unhas e o cabelo foi penteado às pressas. Aquela senhora olhou para mim. Não gosto que olhem para mim. Que olhem para as paredes, para o teto. Olhar para mim? Ah, que desperdício de energias. Um espelho? Para que serve um espelho quando não queremos olhá-lo? Talvez para recordar que um dia debaixo da porta houve uma carta e que as chaves são semelhantes aos chifres de Lúcifer. Um dia vi Lúcifer. Mas Lúcifer é imbecil e poeta. E eu não gosto de poetas. Aliás, o que tenho feito, senão odiado este recital trágico. Meu caro, Jude, a vida é perigosa como estas estátuas. Não duvide. Este homem que lê, ler a si mesmo vagarosamente e amanhã deixará a saliva sobre os espectros. E este homem que escreve deitou-se com as algemas. Esta casa amarela. Meu Deus! Se você olhasse para mim. Mas não gosto que olhem para mim. Desconfio de mim que não durmo. (Por Rudinei Borges - 15 de junho 2008)




terça-feira, 17 de junho de 2008


Janeiro 2008 (por Rudinei Borges)
Poema de Rudinei Borges (por Ernesto López) na voz de Alexandre Ferreira.


Casa de Sidnei Vares - janeiro 2008 (por Rudinei Borges)


07 de junho 2008

Faz tempo o mundo não é o mesmo.
Nasceu uma espécie estranha de flor no jardim de minha casa.
Mas em minha casa não há um jardim.
Faz tempo eu olho para os edifícios desta janela
E, desta janela faz tempo, não vejo nada. Nem o nascer do dia.
Eu era abrupto. Como uma pedra. Eu era abrupto.
E quis casar com minha mãe.
E quis casar com meu irmão.
Eu era abrupto. Não mais que o bronze daquela estátua de anjo.
Eu amei aquele anjo.
E amei um menino louro que fotografava estátuas de anjo
Num cemitério.
Faz tempo eu não amo.
Nem este palhaço sobre a escrivanhia. Ele rir um riso estático.
Faz tempo eu não rio.
A Sra. Ema está correta. A esta hora as mulheres de respeito
Estão dormindo. A esta hora os homens de respeito estão dormindo.
A esta hora a porta da rua está fechada.
Agora, o que resta?
Cento e tantos livros. Um bíblia.
Eu li Cântico dos cânticos.
A esta hora Jesus cristo deve está no céu com os anjos.
O que Deus deve está fazendo a esta hora?
Faz tempo eu não penso em Deus.
Vou dormir.


Rudinei Borges (por Ernesto López)




Últimos galhos - dezembro 2007 (por Rudinei Borges)



16 de junho 2008

Tenho saudades de ti que não vens. Tenho saudades.
Mas nada é preciso quando a urgência é o anúncio
Amargo do fracasso.
O frenesi do opaco é irredutível.

Gosto de mim que sento nas escadas
Como quem esperasse. Gosto de não sentir sono.
E mesmo quando há felicidade as artérias estão cheias de vazio.
Não sou feliz. Não poderia ser feliz.
Amanhã o sol nascerá e terei que dizer aos homens
Que o meu estômago é igual ao deles.
Terei que proclamar aos espectros
Que a minha sina é uma arca corroída por cupins.
Mas não tenho coragem.
Terei que mentir.
Aliás, a cada manhã minto como um vagabundo ordinário.
Mas gosto de viver para poder contar as horas.
Quando o padre vier pedirei perdão.

Eu respiro como as mariposas.
Eu respiro como os mosquitos.
Eu respiro como os cavalos gregos.
Eu tenho ânsia como as rãs.
Eu sou um macaco.

Gosto de ser um macaco como gosto de não sentir sono e viver.
Gosto do gosto da saliva daquele arquiduque.

As minhas mulheres cometem adultério.
Tudo é tão tenebroso.
Tenho medo de você ir e nunca mais voltar.
Deixe-me.


Rudinei Borges (por Ernesto López)

sábado, 7 de junho de 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008




















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Talvez o mímico Marcel Marceau tenha sido a minha grande descoberta neste primeiro semestre de 2008, graças à minha professora de clown, Lígia.

A mímica é uma arte tão lírica quanto a poesia. Difícil como a poesia.

Também Bob Dylan com a sua música triste foi um grande encontro. Ele me levou à minha infância amazônida.

Penso que Chaplin (ou o Carlitus) e Marceau estão impregnados no meu ser. Desejo escrever um poema para "O livro da Embriaguez" com o título "Com Chaplin e Marceau". Será um poema corajoso. Não me peguntem o que é um poema corajoso.
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10 de março 2008



A esta hora refutar para que
Se o silêncio é um mérito abstrato,
Se Beirute está distante?


A esta hora os demônios estão fervendo no asfalto.

[Beirute? Eu odeio Beirute.

E tenho vontade de cuspir a língua para fora,

O cérebro para afora,

O ânus para fora.]



Não posso rir com este canibalismo dentro das veias.

Com este rapaz morto transpirando intimamente

Com o meu suor.

Não posso tomar coca-cola com limão.

Meu deus, nada posso.


Merda... este naturalismo que não finda.

Isto é teatro, meu caro Ernesto.

A realidade? Digam a ele que a realidade

É uma invenção quase susceptível.

E que o Dr. Simão Bacamarte, por vezes, chegou ao orgasmo,

Mesmo com masturbação verbal.


Fazer sexo não é tão engraçado quanto parece.

Não posso rir enquanto este rapaz morto insiste em fotografar

As minhas malícias.

À noite, colocamos o colchão na sala
Para assistir Almódovar.

Não preciso mentir: Borges foi um escritor ressentido?

Não fico ressentido quando as meninas da Consolação

Põem os peitos para fora,

Posto que os travestis merecem todas as elegias do mundo.

Mas prefiro a frieza das estátuas.

Eu faço sexo em silêncio
E, em silêncio, tranco a porta

Quando é noite

E o rapaz morto dorme terno com seu desespero.

Últimos fantasmas




São Paulo, 9 de abril 2008





Acho absolutamente ridículo que alguém passe a tarde dormindo. Talvez eu pudesse me acostumar com essa vil realidade e não condenar o meu tratado diário sobre o ócio. Mas durmo às 14 hrs e acordo, por vezes, às 16 hrs. E perco horas inteiras do que poderia ser um exercício de criação. Perco a tarde, o dia, a vida. Decerto, este hábito insistente do sono seja a minha pobre defesa para um enredo destinado ao fracasso. Se eu fosse pelo menos boêmio, mas não. Não sou nada. Durmo e algumas vezes escrevo algo que valha.


Ontem uma estudante do curso de Psicologia da Universiade São Marcos comentou sobre a Praça Presidente Roosevelt , um lugar com vários bares e teatros alternativos em São Paulo, como os Sátyros. Seria o meu lugar natural de habitação. Eu queria viver entre aquelas mesas, tomando minha cerveja e escrevendo minha poesia maldita. Porém, falta-me companhia para freqüentar. E mesmo sozinho sinto um certo desânimo. Havia prometido a mim mesmo que terminaria "O Livro da Embriaguez" num daqueles barzinhos. Mas nada. Nada nada nada. O meu lugar sagrado é a minha cama. E odeio admitir que o meu lugar sagrado é a minha cama.


Ano passado fiz um acordo comigo mesmo que se fosse para viver eu viveria, então, de uma maneira mais intensa. Se não fosse assim daríamos um término a isso. O que me faz viver, pergunto-me. Oh, Deus, o que me faz viver? Uma resposta sussurante escorre de meu pensamento: a literatura e o teatro. A literatura e o teatro? Que literatura? Até agora nada foi publicado, nada foi escrito com fôlego. Nem o hábito de escrever constantemente eu tenho. Se eu pelo menos usasse as horas para escrever solitariamente como Marcel Proust. Se eu fosse pelo menos um escritor solitário, um poeta solitário. E o teatro? O que há é uma humilde tentativa de me profissionalizar no Teatro Escola Macunaíma.Contento-me com alguns momentos de ensaio no domingo, apenas uma terapia para me manter como ser vivente.


O dinheiro é pouco, pouquinho. As noites em que eu poderia ensaiar alguma peça são entregues ao Curso de Psicologia para onde vou sem muita alegria. Não gosto daquela gente dizendo que tudo é trauma, psicose, neurose, recalque... Para dizer a verdade detesto essas palavras. Até parece que o ser humano é tão facilmente compreensível. Por que não abandono o curso, uma vez que já cursei Filosofia? Por que eu não deixo essa convenção toda e não me entrego de uma vez por todas aos palcos? No segundo semestre vou fazer uma ou duas matérias e deixo os outros dias para ensaiar, para ingressar em um grupo de teatro. Por Deus, preciso de um grupo de tatro, com gente legal, com gente doida, com gente que não esteja impregnada do morfo dessa sociedade patética, desses percalços de regras e muros.


Fico no curso de Psicologia para ter uma possibilidade profissional além da educação (atualmente sou professor de Filosofia no Ensino Médio). Sei que finaceiramente viver de teatro no Brasil é quase sinônimo de ser pobre. Os atores e demais envolvidos na arte cênica trabalham pra caramba e ganham um mísero retorno finaceiro. Fico pensando numa coisa importante: eles são mais felizes do que muita gente nas salas de escitório. Na verdade, parece-me que sei do meu desejo de ser livre, no entanto existe uma merda de medo que me paraliza. E o tempo passa e a vida passa. Meu Deus, eu preciso agir, eu preciso ser. livra-me desta preguiça e deste medo horrível.


Que eu morra pobre, mas morra feliz! Ou melhor: que eu viva na pobreza, mas viva feliz!


Rudinei Borges

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Estragon


"Lembro dos mapas esquisitos da Terra Santa. Coloridos. Bem bonitos. O mar de um azul bem claro. Dava sede só de olhar. É para lá que vamos, eu dizia, é pra lá que vamos na lua-de-mel. E como nadaremos. E como seremos felizes."

(Fala de Estragon na peça "Esperando Godot" de Samuel Beckeet)

sábado, 29 de março de 2008

Os poemas de López



Creio que o poema, ainda sem título, seja uma manifestação da amplitude da tristeza do personagem, Ernesto López.


Em López encontramos constantemente uma excepcional negação da vida e de suas possibilidades. Mas o posicionamento do poeta é sempre paradoxal: viver e morrer são quase que sinônimos em sua poesia.


Concebi o poema num dia chuvoso e utilizei o meu próprio sentimento de desconforto para torná-lo uma fala contundente de López.


Talvez o poema nos leve a um passo da heteronímia de Pessoa, porque nele há, de fato, a fala de um personagem, ou seja, trata-se de tornar os versos as partes de um monólogo interior e que por vezes é semelhante a uma conversa.


O poema de López é uma fala e sua trajetória rumo ao suícidio compõem o enredo de uma peça de dramaturgia. Destarte, o livro de López pode talvez ser menos um aglomerado de poemas e mais a fala de um persoangem em cena.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Uma das mortes de Franz Eddie




Dois dias com o corpo jogado sobre a cama. Dois dias:


Um calhamaço de papel em branco.


Já estou pálido: e o cabelo e a barba crescem.


Já estou velho: dois dias.





Por que exigem que eu seja herói?


Joguei os meus santinhos de porcelana para fora do meu peito,


Mas eles insistem em amendrontar as tardes silenciosas,


Em que o lago de Montgeron parece um aglomerado azul-escuro


De aflições estáticas.





Por que a Sra. Hoschedé passeia sozinha neste outono triste?


Não! Não! Não! Vou sepultar o meu defunto


Sobre a colina do horizonte onde ainda brilha o sol.


Por Deus, não esqueça as flores da orla de Gennevilliers.


Avise a todos que toda lágrima é proibida


E a cerimônia iniciará somente com a chegada da Sta. Jeanne-Marguerite Lecadre.





Dois dias e eu não tenho fome


E a cama é meu cruel ressinto


E morrer é como não pedir perdão.


Não vou levantar, porque a morte é a mais infeliz das perdas


E viver é um ato criminoso.





Quando Eddie e eu fomos para o sítio de Andrews


Tínhamos esperanças de que a morte


Só chegaria em dezembro.


Mas a penunbra traiçoeira escavou o meu pulmão


Em meados de setembro.



(Ernesto López)

Não se trata de um poema concluído, mas de um rascunho. Tenho tratado com cuidado um certo poema "A morte de Franz Eddie". Deve este ser uma peça marcante do "Livro da embriaguez", o livro de poesia que estou preparando e que, em verdade, é o monólogo de um só personagem: Ernesto López.

Há uma primeira parte do poema "A morte de Franz Eddie" que penso está melhor elaborada. Esta segunda parte ainda se mantém um tanto crua, com construções um tanto pobres.

Fiz uma opção que exige logo do leitor uma relação com as artes plásticas, pois todo o poema está pautado em referências à obra de Monet.

A paisagem idealizada para a morte de Eddie são as paisagens pintadas por Monet. Trata-se de uma morte composta com o colorido desse artista, com as figuras de senhoras segurando sombrinhas e andando por campos de papoulas vermelhas.

Espero alcançar um resultado de maior elaborção.