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sábado, 2 de agosto de 2008

O anjo de mármore


Texto da tarde do dia 2 de agosto possivelmente para o romance "O anjo de mármore"


(Cemitério Sto. Antônio, em Itaituba, PA. Janeiro 2006 - Por Pablo Enrique Xavier)


Talvez um dia eu deite o corpo sobre a cama e não sinta mais saudades. E neste dia não estarei mais aqui. Irei longe, para além dos campos, como aquele poeta que amou Duíno. Longe com o meu anjo, deitado sobre as suas asas e a alvura de suas vestes. Longe, para os trigais, para as colinas onde as papoulas germinam. Longe, mas estarei sempre no cais. Longe, mas quando chegar a tardinha voltarei a cada badalada do sino. E terei nas mãos a calidez do meu menino. E viveremos juntos às margens deste rio esverdeado. Sem os banzeiros e nem as tempestades. Viveremos juntos numa cabana na floresta. Em qualquer lugar que seja terno.

Tentei escrever, mas já é tarde e o meu corpo reza o seu próprio desespero. A minha agonia não vale uma gota do seu sacrifício. Não espero mais nada, nem um pedaço de pão, nem um grama de esperanças. Por isso, entrego-me a este pântano que não conheço, a este deus miserável e oculto. Por isso, deito-me na relva e abraço os espinhos. Não há dor maior. Só a tardinha que se perde no meu silêncio. Que devo dizer? Que hoje sou um homem triste quando prezam pela alegria? Não devo dizer.

Deitei o meu amado dentro do meu peito. E ele dorme agora como um menino. E aqueço a alma com a sua poesia, com o seu cantar matutino. Do seu rosto arranco todo o mármore. E deixo que ele levante vôo para os rochedos distantes. Não sou herói. Porém, meu caro Jude, amei mais que qualquer ser na face da terra. Talvez por isso eu sofra mais que qualquer ser na face da terra. Talvez por isso eu grite. Descanse, meu caro. Descanse. Porque quando a noite chega as papoulas adormecem, resguardando energia para a alvorada. Descanse, porque eu não consigo fechar os olhos por um instante. Porque o meu castigo é olhar os dias passarem por esta janela e odiá-los como a um inimigo mortal. Descanse e depois me conte a respeito do que você sonhou ontem à noite, pois tenho saudades de sonhar como os meninos do trapiche. (Por Ernesto López)