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sexta-feira, 24 de outubro de 2008





Ele estava sempre conosco e era tão alegre, tão cheio de vida. Não conhecíamos ninguém igual a ele. Ninguém mesmo. Mas depois de um tempo ele foi para longe. Não sei exatamente onde, mas sei que era distante. E não sei o que foi feito dele, não soubemos mais nada a seu respeito. Nada mesmo. Uns dizem que ele nos abandonou, que cansou de tudo isto aqui. Mas quase todos na aldeia acreditam que ele morreu, porque sabem que se ele estivesse vivo não suportaria ficar distante de todos aqui. Não, ele não agüentaria, porque nos amava de uma maneira estranha, diferente. Ele nos amava de um modo que sabíamos que verdadeiramente nos amava. E não podíamos duvidar disso. Ninguém ousava duvidar disso. Por isso, cremos que ele morreu. E por ele ter morrido sofremos e choramos, porque estávamos longe quando ele mais precisou e sequer podemos nos despedir. Por que o senhor vem, agora, relembrar esta história? Decerto, o senhor não sabe o quanto a saudade que sentimos nos faz sofrer. O senhor nem pode imaginar. Por que o senhor nos envolve com suas dúvidas? Eu já o havia esquecido. Porque esquecê-lo foi o melhor remédio que encontrei para não mais sofrer com a notícia de sua morte, posto que se até ele morreu... o que acontecerá conosco? Agora, o senhor com seu atrevimento nos faz recordar o quanto sofremos com o que aconteceu. A lembrança dele é dor e ninguém deseja dor. E sentimos dor quando o recordamos, porque não o amamos com a mesma intensidade que ele nos amou. E todos sabem e todos se ressentem. E ele se tornou para nós um ressentimento. E por sua causa sentimos outra vez o mesmo ressentimento. O senhor não tem esse direito. O senhor fala dele como se soubesse que ele está vivo, como se tivesse tanta certeza. Mas o senhor não tem nenhuma. O senhor apenas brinca com a nossa dor. Sei muito bem que o que sofremos com essa história é motivo para seu divertimento. O senhor deveria pensar duas vezes antes de nos perguntar sobre Deus, antes de afirmar qualquer coisa sobre ele. Nós o conhecíamos muito. Não queira nos dizer o que sabe de Deus. Nós sabemos melhor que ninguém que ele não nos abandonaria, não nos deixaria a esmo. Deus jamais faria isso. Sinto-me incomodada até em pensar essa possibilidade. Como o senhor tem coragem? Espero que isto não chegue aos ouvidos de nossos avós. Eles ficariam ofendidos. Extremamente ofendidos até. E ofendê-los é como se o senhor e seu ajudante ofendesse toda nossa aldeia. Não ouse.