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sábado, 18 de outubro de 2008

Para Caio e Felipe






Que venha a morte maldita com
A traição tardia, com
Os cajados cálidos, com
O sussurro vago das paixões findáveis, com
Os violeiros do calvário, com
A cantoria triste das mulheres.
Que venha a cruz.

Que venha a agonia estéril, o
Asco dos soldados, o
Suor dos viajantes, a
Dor amargurada das mães.
Que venha a cruz.

Que venha a
Espada, a
Lágrima acre, o
Cântaro de vinho, o
Lenço, o
Manto, o
Ardor, o
Espinho.
Que venha a cruz.

Que venha o
Pássaro diante do sol, a
Tempestade crua, a
Terra árida, a
meretriz afoita, o
Galo (sem adjetivos).
Que venha a cruz.

Que venha Hitler, a
Mãe e o pai de Hitler.


Que venha Judas - terno e compadecido.
Que venha Judas como veio Heitor.
Que venha a cruz.

Que venha a
Minha mãe, os
Meus irmãos e o meu pai.

Que venha o
Meu amante, o
Meu patrão, o
Meu algoz.
Que venha a
Minha mãe.
Que venha a cruz.

E que venham os
Meus mortos, os
Meus vivos, os
Meus tataravôs e a
Srta. Rosângela, minha tia.

O
Jovem Thiago, meu primo.
Os
Parentes que não conheço,
Os
Parentes que odeio.

Os meus amigos e os meus inimigos.

Que venha a
Moça morena que amou o
Meu corpo e a
Minha alma às margens de um rio.
Que venha a cruz.


Que venha o
Meu filho e a
Minha filha.

A minha mulher e o meu marido.

O
Meu relógio,
Os
Meus discos,
Os
Meus livros,
A
Minha cama,
O
Meu diário.
O
Palhaço pequenino
Que eu trouxe duma viagem à Paraty em julho de 2007.
Que venha a cruz.

Que venha D. Quixote e Sancho Pança,
O menino Alfredo e Eutanázio,
A Sra. Amélia Lages e a Sra. Zizi Teles.
Que venha D. Rosalva Borges,
A Sra. Alzira e o Sr. Moacir Dias.
Que venha a cruz.

Que venha o diabo vestido de poeta
Ao lado de Ignacio Sánchez Mejías e Zaratustra.
O Sr. Freud, o Sr. Marx, o Sr. Nietzsche:
Que eles carreguem a cruz.

Que venham as ovelhas, os pastores, os elefantes,
Os trapezistas, os macacos, as cadelas no cio.
Que venha a Srta. Princeza, minha cadela morta.
Que venha Beethoven e Marcel Marceau.

Que venham com
Mísseis e bandeiras, com
Aviões e automóveis, com
Telefones e computadores, com
Gaitas e gramofones.

Que venham com
O crepúsculo ardendo nos olhos.
Que venha a cruz.

Que venham descalços e nus
Para chorar a morte do Cristo Jesus.

(Ernesto López)

14 de outubro 2008
São Paulo, SP
Quarto do sobrado no Ipiranga, à meia noite e quatro minutos.