Páginas

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Texto experimental




Aviso: Não pensem que eu tenha esperança de que alguém lerará todo o texto. O propósito aqui é muito mais documentar o experimento que pode ser ou não usado no "Livro da Embriaguez".


... não não não (Pouco sei do que dizem. Eu espero. Mas creio nos que falam de amor com esperança. Eu amo. Mesmo sendo o amor uma construção vaga. Eu amo. À tarde eu sempre pedia esperança aos homens. Esperem! Esperem! Esperem! Ele apenas dorme. Eu gosto dos que dormem. Mas tenho medo dos que dormem demais. Ele haverá de acordar. Vocês não podem ir antes que ele acorde com seu humor, com seu riso. Gosto de quando ele dá longas gargalhadas e conta histórias de festas antigas, em que as mulheres usavam máscaras. Fiquem, por favor. Talvez ele acorde inspirado e recite para nós um de seus poemas. Ele tem poemas de beleza infinda. Afinal, ele é... Esqueçam! Há algum tempo atrás, logo quando vim ajudá-lo na biblioteca, ele se sentou na escadinha que vai para o quintal e ficou por horas recitando poemas que ninguém por aqui conhecia. Era de um livro antigo. Foi numa tardinha de outono. Uma tardinha ensolarada, aliás as tardes por aqui são sempre ensolaradas, até no inverno. Talvez por isso ele vive repetindo que o sol mora aqui, em nossa aldeia. O fato é que ele ficou por horas olhando para uma fonte que havia no quintal e nos chamou para sentar com ele. Não pensei que ele fosse deixar seus afazeres para sentar-se conosco. Imaginava que ele era demasiadamente ocupado para o ócio. Mas ele amava o ócio. Assim, tinha tempo para todos. Hoje, pergunto-me com uma certa dor (não sei se dor é a palavra certa): por que ele ficou aquela tarde inteira recitando versos que tampouco sabíamos o significado? Tudo o que ele nos dizia era tão próximo do que é a música. Mas que é a música? ... Não não não. Não me perguntem! Eu não sei. Depois ele nos trouxe chá. Ele adorava chá. Mesmo no calor ele adorava chá. Não entendíamos nada, nem tínhamos razões para entender. Afinal, ele é... Esqueçam! Peço somente que esperem. Talvez um pouco de chá vai acalmá-los. Eu vou buscar. Aqui lemos os livros sempre com uma xícara de chá sobre a mesa. Não estranhem este nosso gosto desajeitado. É o nosso costume.




Tenho nojo das xícaras. Meu Deus, ali o que tínhamos? Aquelas xícaras foram compradas com o dinheiro que ele nos enviou, mas este tal dinheiro nunca chegou a nossas mãos. Como posso lembrar aqueles ladrões? Talvez as crianças nunca vão compreender o que ocorre com os adultos. O chá sempre foi servido numa garrafa marrom. Queimava a boca. Como tudo naqueles dias queimava a boca e o resto do corpo. Aquele chá, aquelas xícaras deixaram feridas enormes. E tenho levado pela vida inteira o gosto amargo desses chás. Por Deus, odeio chá! Não venham com considerações absurdas. As moças da Formosa não vão entender. Deixe apenas a saliva escorrer sobre minhas costas. Quero sentir a saliva quente queimar a minha pele, a minha boca. Não venha. Aquela velha miserável. E nem tenho argumentos para odiá-la. É só uma lembrança. Agora, reflito. E misturo um pouco de água e sexo. Uma vontade imensa de sentir prazer sempre. Um tanto de tristeza com sono e vontade de ir ao banheiro e lavar o rosto. É como uma vontade imposta, shoperaueriana, como se não fosse possível escolhê-la. Quase um sentimento ambíguo. Soube anos depois que a velha morreu e senti saudades. Por nada. Decerto, pelo o que não foi. Irremediável desgraça: sentir afeto por tudo que não foi. É detestável saber que não me entendem. Paciência. Se vocês esperassem eu até contaria. Odeio aquela velha por tudo que ela poderia ter sido, conforme as minhas expectativas, mas não foi. E o que sei agora? Ela sobrevive em pequenas lembranças. Minúsculas é o melhor termo. Aquela velha de merda. Desculpe-me: não é minha intenção acusar as velhas. Não nos engane. Não tenho tempo algum. Estou quase próximo do fim e você exige que eu espere. Sabe, ele não ama o ócio. Está claro: ele ama o descaso. Se ele dorme é porque não quer falar conosco, pois deve saber que estamos aqui, que temos pressa. E, assim mesmo, permanece dormindo como se estivesse cansado. Cansado de quê? Penso que os poemas que ele recita não devem cansá-lo mais que a amolação dos viandantes. Não. Não queremos o dinheiro que ele nos enviou. Mande estas moedas podres para o inferno se ainda existir inferno. Ah, decerto, vocês deram para ele a melhor cama da aldeia. Oh oh oh. Mande o seu senhor para os diabos. Destarte, ele encontrará o que fazer.



Era uma saudade permanente. Íamos àquela casa somente quando alguém morria. Era comum que nos encontrássemos diante dos mortos. Meu Deus, eu tinha vontade de ser como eles (não como os mortos). Como os vivos daquela casa. Vontade de cruzar os braços e fumar cigarro como os homens e sentir dentro do corpo a velocidade de um automóvel. A morte estava lá. Sempre a morte deitava-se ali. Eles morriam cedo, enquanto o resto do mundo envelhecia. Enquanto as mulheres rezavam com os filhos. A morte era uma triste amiga. Sempre tive muito medo de morrer. E ainda estou vivo para vê-lo acordar. Os mortos ficavam misturados com a desordem da sala, da cozinha. Com as roupas do quarto. A televisão ligada o dia inteiro exibia-se para as paredes. Eles comiam como leões. Os mortos estavam sobre a mesa, entre os pratos. Eles comiam também os mortos e riam e riam e riam. Para que rir? Vi o velho morrer dia-a-dia, o velho apodrecer a esmo no piso da varanda. E vi aquilo como se a morte fosse o pagamento de suas misérias. E sentia alegria de vê-lo morrer, de vê-los todos morrerem. Perdoe-me: é, deveras, forte admitir isto. E sentia como se aquela casa foi um grande túmulo sem epitáfio.



Ele deitou sobre a cama como se tivesse cansado do seu próprio silêncio e esperou que ela também se deitasse. Quando ela veio e desligou a lâmpada ele tirou a faca que estava sob o travesseiro. Depois de matá-la ele se suicidou. Não vimos os corpos. Não houve coragem entre nós.



Tenho grandes esperanças. É algo até agradável. Tudo indica que não retornarei àquela casa. Há lugares que jamais retornarei. E há outros pelos quais sinto forte arrependimento de não ter ido. Algumas camas esperam para que eu durma nelas e deixe um tanto dos meus pesadelos ou do meu implacável desejo. Não condenem o sexo. Que tenho feito com as mãos? Durmo sempre à espera do outro corpo que virá com suas ternas carícias. Tenho pena de mim que não tenho nada. Não tente me depreciar. Não não não. Só espere. Fiz de mim uma miragem. Já morei em muitas casas. E já vi muitas janelas. Se eu morresse agora seria apenas um contratempo biológico. É cedo para que eu morra ou me mate. Por vezes, receio me matar antes da hora. O suicídio é um ritual. É em vão. Esta coisa de querer ser grande me atormenta. Dor amarga esta, a posteridade: um fragmento.



Ela me levou para o quarto e ordenou que eu ficasse calado sobre a cama e me fez sentir cócegas nas pernas. Tenho esperado de modo exagerado e penso. Ela me deixou nu e acendeu treze lâmpadas no quarto. Ela conhece o meu corpo mais que eu. Quando acordei ela trouxe chá numa xícara branca e sentou ao meu lado meio inquieta, rasgou algumas páginas do livro e enxugou o suor do meu rosto. Ela me beijou e me fez sentir frio. M. tem mania de ser misteriosa.


O que tenho agora? É esta vontade de dormir um pouco, de ficar quieto na cama para que ninguém perceba que estou em casa. Não sinto vontade alguma de falar com quem quer que seja e quando o telefone toca é como se um sino tocasse desesperadamente dentro de mim. Tenho vontade de desligar tudo e ficar quieto dentro da minha própria escuridão. Tenho medo de amar como as mulheres amam. Sim, é quase certo afirmar que faz muito tempo que não escrevo, nem telefono. Você repete, como se fosse uma verdade, que me tornei incomunicável. Não é tudo isto verdade, como não é verdade que eu os esqueci. Como poderia esquecê-los? Não sou tão pretensioso quanto pareço e, por mais que aparente estar distante, devo, com certeza, está presente nas conversas de todos. Devo dizer, com efeito, que sou eu que tenho me sentido solitário. Talvez por desejo próprio, mas a solidão de agora não é muito diferente da solidão que eu sentia quando morava com vocês ou quando estive em outras casas, morando com várias pessoas. Tenho impressão que eu me sinto solitário desde que nasci, o que não é nenhum mérito para mim. Não é mesmo nenhum mérito a tristeza. Mas apenas descrevo o que sinto e você, decerto, entenderá. Tenho também a impressão de que você é a única pessoa capaz de me entender, porque talvez isto que chamam de alma seja algo em nós muito parecido. Penso que adentrei definitivamente em um estado ardente de vazio, como se não tivesse nada para dizer que fosse, de fato, interessante, isto é, que me desse prazer de compartilhar. Penso que me tornei um homem seco, por mais que eu esbanje simpatia nas conversas informais, que mantenha um riso descarado no rosto, como se não houvesse tempo ruim. Eu sou uma farsa. Estranha para mim e para os demais. De repente tenho a sensação de que quanto mais procuro mais estou distante. Assim, tento inventar atividades amenas que me permitam sentir prazer, pelo menos numa pequena parte do tempo. Acho mesmo que guardo uma dose razoável de criatividade dentro do meu peito, com isso agüento o peso dos dias. Eu engano. Meu Deus, como estou me tornando um gênio na arte enganar (se isto for arte). Talvez eu consiga o grande feito de enganar a própria morte.





Quando pensei em escrever esta carta acreditei mesmo que escreveria algo grandioso, ademais não há momento em que eu não aspire a grandiosidade. E, por isso, eu sei, tenho tanto medo. O que não é novidade quando o que encontro em minhas andanças são pessoas medrosas. Porém, elas fingem. Como grandes atrizes elas fingem uma coragem extraordinária. Aqui, a cada palavra, sou tão parecido com o Sr. Ernesto López, o que é complexo, porque o meu fingimento chega a ser doentio. O Sr. Ernesto se suicidou a pouco tempo deixando comigo um túmulo inumerável de poemas. Mas ele era um homem corajoso, tanto é que amou com o próprio sangue, a ponto de escolher a morte. Não fique espantada com o que digo. Talvez um dia você entenda, ainda que não adentre o meu peito podre. Vou contar para você o que nem eu tenho certeza que sei de mim. Suponho, então.



Tentarei não fantasiar o que já é demasiado alegórico. Desde que vim para cá tenho sofrido. Saiba, não estou exagerando quando afirmo que tenho sofrido. E você, decerto, está me reprimindo: volte, então, para cá. O fato, minha irmã, é que não encontrei, até então, nenhum lugar que me fizesse feliz. Porque não são os lugares que determinam a minha felicidade. Sou eu que não consigo me sentir em paz em qualquer parte que seja, é dolorido o peso que me foi imposto, ou que eu me impus. Perdoe-me: não farei uma elegia à vida. Não espere que eu cantarole as esperanças, que exalte o que quer que seja. Não tenho olhos para o sublime. Na verdade, até hoje tento entender as aulas de Estética quando não tenho sono, isto me faz dormir. Com franqueza, não gosto de minha amargura. O meu vazio é resultado do meu cansaço. Chego ao fim do dia como se chegasse ao fim da vida. Vivo exausto. E já comecei a usar remédios para me sentir menos cansado. Compro numa farmácia aqui perto. Não é caro.


Lazzaro: Ali havia uma ponte. Acho que era uma das maiores da cidade.
Ernesto: Onde?
Lazzaro: Olhe, logo atrás daquela árvore da pracinha. Está vendo?
Ernesto: Ah... acho impossível que tivesse uma ponte ali.
Lazzaro: Pois acredite. Havia uma ponte exatamente atrás daquela árvore da pracinha, onde está passando, agora, aquela mulher de saia azul.
Ernesto: Sim, mas por que você lembra esta ponte com tanto entusiasmo?
Lazzaro: Meu caro, Ernesto, acredite foi graças àquela ponte que hoje estou aqui com você.
Ernesto: Gosto do seu tom esperançoso. Como isto aconteceu?
Lazzaro: Meu amigo, não aguentava mais aquele sofrimento interminável. Eles mataram muitos homens do partido... Como tudo por aqui mudou...
Ernesto: Ainda bem! Nunca andei por este lado da cidade, mas acho tudo por aqui um tanto triste.
Lazzaro: Eles acreditavam que eu era do partido e você sabe que nunca fui de partido algum. Eu apenas cria, como creio hoje, que o mundo, seja como for, poderia ser mais justo.
Ernesto: Você realmente crê?
Lazzaro: Por Deus! Você sabe que eu creio.
Ernesto: Você foi preso...
Lazzaro: É verdade! Foi lá que me prenderam, onde fica aquela pracinha.
Ernesto: aqui realmente mudou: não imagino uma prisão naquela praça, nem uma ponte.
Lazzaro: Não era uma prisão, isto é, não era oficialmente uma prisão. Era uma casa muito bonita. Ficamos presos, eu e os homens do partido, dentro do porão.
Ernesto: Dentro do porão? Que criativos. Como se não tornassem a nossa vida, mesmo aqui fora, um porão escuro.
Lazzaro: É... Havia uma janela, de onde entrava ar e luz. O que seria de nós não houvesse isso. Da janela podíamos vê a ponte.
Ernesto: Que tem a ponte?
Lazzaro: Durante meses a única alegria que eu tinha era olhar aquela ponte e vê, por vezes, o pequeno rosto das pessoas passando. Eu já havia esquecido como era um riso.
Ernesto: E como é um riso? Eu não sei como é um riso.
Lazaro: Escute! Tente entender. Para mim foi importante.
Ernesto: É que não costumo vê pessoas rindo, nem nas ruas nem nas pontes. Nem nas praças.
Lazzaro: talvez você nunca vá entender.
Ernesto: o que, Lazzaro?
Lazzaro: ... um dia vi um menino se aproximar da janela e comecei a asssoviar como um pássaro.
Ernesto: Talvez porque você quisesse escapar daquela gaiola.
Lazzaro: É. Você está certo. Eu queria escapar como qualquer pássaro.
Ernesto: E o que você fez?
Lazzaro: Um dos homens do partido convenceu o menino que nos trouxesse uma serra. Mas tínhamos um pouco de medo, pois Eles não sabíam que aquela janela dava para a rua.
Ernesto: o menino trouxe a serra?
Lazzaro: Trouxe!
Ernesto: É esquisito... não sei o que faria se estivesse lá.
Lazzaro: Você faria o que todos fazem, mesmo quando não estão lá.
Ernesto: Eu sei...
Lazzaro: Todos queremos escapar de qualquer jeito.
Ernesto: De qualquer lugar, a qualquer hora.
Lazzaro: depois que fugimos e tive que acompanhar os homens do partido. Era a única alternativa.
Ernesto: Não havia outra, Lazzaro. Não se culpe!
Lazzaro: Tive que deixar o país, tive que deixar tudo que eu tinha. Porque Eles, Eles sempre estão entre nós com suas algemas.
Ernesto: E nos prendem de qualquer maneira.
Lazzaro: Eu sei...
Ernesto: Eles o matariam se você tivesse ficado.
Lazzaro: Não. Eles me mataram de qualquer modo.
Ernesto: Não diga isto, assim você se parece comigo. Onde andam as tuas esperanças? Você sempre foi tão corajoso.
Lazzaro: Não, Ernesto, eu é que sou covarde. Você está enganado. Com toda a minha luta, eu é que sou covarde. Pensei que poderia mudar o mundo. Enquanto você sempre soube que não poderia mudá-lo.
Ernseto: eu confio em você e nunca disse nada contra a sua luta, sempre tentei ajudá-lo.
Lazzaro: Não é isto. Não estou cobrando nada de você. Enquanto eu cria que lutava você amou. O que adianta tanta luta se quando mais precisamos estamos sós.
Ernesto: Não volte a esta história, por favor. É demasiadamente dolorida para nós.
Lazzaro O que não é dolorido para nós?
Ernesto: Nada... esquece...
Lazzaro: ela sabe que eu a amava.
Ernesto: Como queria que ela ficasse com você se você estva preso e só tinha tempo para a luta e a luta, a sua luta.
Lazzaro: não fale assim.
Ernesto: perdoe-me, irmão.
Lazzaro: você sabe o que é perder um amor.
Ernesto: Eu sei...

Não é possível que eu me assuste tanto. Eu tento a cada segunda-feira organizar o quarto, mas não há mais jeito. Sempre a mesa está cheia de papel e a cama está tomada de roupa meio suja. Só separo um espaço adequado para que eu possa descentemente dormir. Não é justo que eu não durma. Tirem tudo de mim, menos o tempo sagrado que eu reservo para repousar sobre a cama. É uma necessecidade animal esta de dormir. Não se engane. A cada momento, em que jogo sobre a cama este corpo humano, rogo, no fundo do peito, para ficar definitivamente no reino dos sonhos. Sabe, quando eu durmo é como se buscasse um campo distante, onde pudesse respirar com alívio. O meu sono é fuga. Acho enfadonho falar de mim. Depois de um ano, sinto-e como se olhasse para trás e não tivesse nada de especial para contar, como se estas perambuções fossem fúteis. Meu Deus, é engraçado como tenho me tornado um animalzinho rabugento. Bem, não sei de nenhum patrício que venha pagar minhas contas. Eu tenho contas. O animalzinho tem contas. Não reclame: o homem deve somente... esqueça! Tudo o que devo é para o sustento do corpo. Nada mais. Que tenho feito pelos outros? Agora, falaremos de compaixão. Interessante! Quando aperta a agonia, lembra-se, enfim, dos outros. Os outros sofrem menos que nós.



Depois de um dia a esmo, sento-me. O que você dirá disto? Não diga nada quando não há nada para dizer. Espere até que as palavras cheguem para ocupar o vácuo. Para que o caos pareça razoável e se misture a esta ausência de silêncio. Recolho-me e é certo que isto não interessa em nada. Estes caminhos e estes sobrados fascinam meus olhos como num filme. De repente, poderia, sem ressalvas, despojar versos e desabafos em voz alta quando caminho para o museu. Ernesto, o meu amigo, vai comigo. Por Deus, a esta hora, que é tarde, estou só. Esta é a pior doença: não encontrar pares para que ouçam nossas vis palavras. Devo dizer: que é o homem, senão um andarilho solitário. Não temos razões para o engano: com eficiência, tentamos nos agregar, como um bando, porém estamos sós, como na hora da morte. A morte é somente o momento culminante da grande solidão que foi a vida, que é a vida. Devo também dizer – e não sinto nenhum orgulho disto – estou morto. E, em nada, tomo distância destes ossos misturados com terra. Agora, pergunto-lhe: que sou? Este cemitério infindo meio à cidade? Estas cruzes e estes anjos tenebrosos? Pior, minha irmã, não sou nada. Nada que fique para a história como um grande monumento ou o nome de uma rua ou de uma praça. Não me lembro. Por Deus, por esta noite que cresce diante dos meus olhos, não me lembro de nada que me faça ficar por alguns anos diante dos olhos dos homens. Que resta? Às vezes, o que nos resta, deveras, é este silenciar da noite cálida, quando nem os fantasmas se lembram que existimos. Nem as estrelas se lembram.